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O mundo mudou desde que eu tomei o café da manhã. Faz uma hora e meia, tempo o suficiente para que coisas que eu acreditava serem inalteráveis se transformassem bem diante dos meus olhos.

Todos em Dameria estão olhando para alguma tela nesse exato momento. Talvez de um celular, espremidos entre corpos no metrô. Ou então de um computador, na solidão de seus escritórios. Os mais pacientes ligarão as televisões para acompanhar esse furacão de novidades.

Minha mãe é uma dessas pessoas. Com o controle remoto na mão direita, aumenta o volume. Ouço a porta do quarto de Jasen bater atrás de mim e então passos se aproximando. Pés descalços deslizando pelo linóleo. Ele para no sofá, onde se joga com os olhos arregalados.

— É mesmo verdade?

— Cale a boca, garoto.

Minha mãe se recosta em sua poltrona reclinável enquanto eu fecho meu laptop. Meu novo livro, agora estacionando no capítulo sete, terá que esperar por algum tempo até eu voltar a escrever nele. Existem coisas mais importantes do que pagar as contas, pessoas superiores à nós.

Uma delas tem seis anos. Seus olhos azuis, quase violetas, se esforçam para não chorar. Mantém a postura aristocrática dos gênios. Mãos no colo, coluna reta, queixo levantado.

Diante da nação inteira, a princesa Elsey Gladinix prova sua Genialidade com o simples ato de piscar.

O cano de um revolver se mistura com seu cabelo castanho liso. O homem que o segura tem o rosto coberto por uma máscara de pano, com buracos apenas nos olhos. Não os vemos direito, graças à péssima qualidade da câmera usada para transmitir tudo ao vivo. Deve ter sido intencional, já que no menor dos escorregões os cientistas podem descobrir sua identidade.

Prezada Dameria. — o terrorista começa com uma voz presunçosa ao mesmo tempo que eu ligo o gravador do celular. — Espero que estejam gostando da visão. Aqui está a adorável princesa que todos nesse reino de merda amam. Mas nessa manhã nós provamos que os gênios não são tão superiores quanto pensam. Pegamos a filha do líder deles, nosso adorado rei, e planejamos matá-la a não ser que libertem Theoderus Dolorov.

Analiso a sala onde o vídeo está sendo transmitido. Paredes cinzentas, opacas. Não se vê muita coisa a não ser o terrorista e a princesa, sentada num banquinho de três pernas. O foco é eles, não o ambiente. Enquanto ele diz o nome de seu possível chefe, um rato desliza por entre os sapatos da princesa, que se encolhe mas em nenhum momento chora.

Tento me lembrar tudo o que sei sobre Theoderus Dolorov. Homem, 46 anos, preso no último inverno com acusações de alto terrorismo contra Dameria. Não sabia que a resistência era tão forte ao ponto de sequestrarem uma princesa. Ou que ele tivesse influência o bastante para conquistar qualquer dameriano à sua causa.

Não faz sentido. Por que alguém iria querer libertar um terrorista?

Uma má pessoa, com más intenções. Observo como as mãos do terrorista apertam firmes o revólver e o ombro da princesa. Está agitado e com raiva. Elsey Gladinix faz bem em não se mover ou falar ou ter uma crise de choro. Duvido muito que ele tenha paciência o bastante para saber lidar com uma criança.

Meu celular toca, o que me assusta ao ponto de quase gritar. Estou tensa, batendo o pé freneticamente no chão. Nem olho direito para o nome na tela antes de levá-lo à orelha.

Um Sussurro SombrioOnde histórias criam vida. Descubra agora