Era apenas mais uma pessoa, como qualquer outra, que caminhava nas ruas da cidade em direção ao trabalho. Avançava a passos largos tomando cuidado com o terreno acidentado. O céu estava nublado, as ruas molhadas e o ar com um odor desagradável de lixo. A cidade não estava movimentada, o dia mal começava.
Veio em sua direção um sujeito sujo, vestido em farrapos e com o cabelo desgrenhado. O trabalhador ficou acuado, imaginando um assalto. Mas o sujeito era apenas um pedinte que o abordou querendo uns trocados. A resposta foi curta e direta, pois o apressado estava sem moedas. Disse um "hoje não" e continuou seu caminho. O pedinte proferiu algumas bênçãos com certo tom de ironia enquanto o homem se afastava.
Mesmo sendo um evento corriqueiro, a situação vivenciada levou o trabalhador a refletir. O mendigo que lhe abordava ali era só mais um no meio de tantos. Pessoas que sofrem com a miséria em seu país. Nos últimos meses, a quantidade de pessoas nessas condições aumentou. Vê isso de forma clara nas ruas que percorre diariamente. São homens, mulheres, crianças e idosos que dormem em colchões velhos ou mesmo no papelão. Passam a noite sem abrigo, no frio. Acordam com o sol ou com a chuva. Comem o que acham no lixo ou o que conseguem pedindo.
Sempre que é abordado dessa forma, o trabalhador fica desconfiado. Pensa que o pedinte está fingindo. Assim, costuma não dar dinheiro, mesmo quando tem alguns trocados que não lhe iriam fazer falta. Mas hoje ficou com o coração apertado. Por um instante de empatia, imaginou os papéis trocados. Sua família na sarjeta e ele desempregado. Pensou na fome, no medo e no desconforto, sentiu-se desamparado. O pedido que negou, a ele sendo negado.
O trabalhador é tirado de seu devaneio. Depara-se com um edifício grande, suntuoso, revestido com janelas de vidro. Era esse seu destino. Mal tinha percebido que já havia percorrido todo o seu caminho. Seu corpo o trouxe, no automático, enquanto refletia sobre a situação do mendigo. E agora vai, ainda apressado, em direção ao relógio de pontos para começar a cumprir seu horário.
O ponto batido, o sexto andar alcançado e em sua mesa, posicionado. Agora, tentava lembrar tudo aquilo que havia pensado, sobre ele, o mendigo e o pedido negado, mas seu tempo é contado. Os momentos que ali passava já eram negociados. Deveria atender os clientes de seu patrão abusado que lhe sobrecarregava, deixava o expediente puxado. Parar para pensar nos problemas dos outros, ou do mundo, era tempo matado.
Essa situação fez o trabalhador se sentir pressionado, coagido, extraído do mundo, desfalecido. Estava com um peso no peito e uma angústia de estremecer. Levantou e foi até a janela respirar, fortalecer-se.
Mal alcançou essa abertura e teve sua visão cortada por uma sombra escura. Debruçou-se na janela e viu, lá embaixo, o corpo de um homem bem vestido estatelado no chão, todo ensanguentado. Por um momento, viu no corpo que jazia no chão sua própria imagem. Assustado, desviou os olhos.
Alguns instantes se passaram enquanto várias pessoas do prédio observavam a tragédia que havia acontecido. Um rebuliço entre os clientes da fila, reclamavam da demora em serem atendidos. Visto isso, o trabalhador se sentiu obrigado a largar o pesar pelo desconhecido e voltar ao seu serviço. Sentou-se em sua cadeira e emitiu o sinal para a primeira senha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Trabalhador
Short StoryCompanha as reflexões de trabalhador sobre seu cotidiano e a sua atividade. Capa: Imagem Free-Photos por Pixabay, modificada pelo autor. Originalmente publicado em Imprensa Cultural.