PRÓLOGO

9 1 0
                                    


Um bom filho a casa torna.

"Porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado. E começaram a alegrar-se." Lucas 15:24

Eu e Agnes éramos boas filhas (E obviamente não tínhamos gasto nossas heranças em coisas fúteis como o cara da parábola.) , não só de acordo com a denominação do dicionário mas como a de nossa própria família, o que eram as únicas coisas que importavam. 

bomadjetivo1.que corresponde plenamente ao que é exigido, desejado ou esperado quanto à sua natureza, adequação, função, eficácia, funcionamento etc. (diz-se de ser ou coisa)."b. filho"2.que é misericordioso ou indulgente; magnânimo, caridoso."o b. homem"

Uma vez, depois de brigarmos e eu ter engolido minhas palavras por alguns dias, minha mãe me chamou para conversar. Ela me esclareceu. Me abraçou. E pela primeira vez desde que eu me lembrava ela sussurrou para mim. "Você é boa, Lillian. Você é uma boa filha e eu espero que nunca duvide disso."  Obviamente, eu duvidei, mas nada mais interessava para mim agora que eu sabia que uma das pessoas que mais amava tinha certeza de que eu era boa, as outras não pareciam se importar com isso, mas ainda assim eu queria ser boa.

Queria ser boa em algo, para algo, para alguém.

E assim, eu tentei fazer.

Normalmente éramos apenas Agnes Araújo e Lillian Campos, vizinhas e melhores amigas inseparáveis desde que nos lembrávamos. Ambas sonhadoras o suficiente para passar noites em claro montando planos que obviamente só ocupariam espaço em algum papel que seria perdido semanas depois. 

Forço meus olhos a piscar, depois de perceber que estava tendo mais um dos devaneios que não conseguia impedir. Pelo menos esse era um devaneio feliz, Agnes me fazia feliz. Olho para as paredes cor de palha do quarto. Eu não tinha escolhido aquela cor, a design sim. Eu odiava o design daquele quarto. Um ponto positivo para estar indo embora. 

Suspiro olhando para as quatro caixas que carregavam os livros e parafernálias da minha tão amada estante. "Tudo pronto, ratinha?" pergunto com um grito, sem desviar minha atenção das caixas e da mala aberta em minha frente, recebendo um sim de Agnes a pelo menos 10 metros, de seu quarto enquanto me esforço para colocar todas as roupas pendentes na mochila.

"Sairemos em quinze minutos!" Lucas, agora o ex-namorado de Agnes e nosso penetra/motorista também grita, seguido do barulho da porta batendo.

 "Está realmente pronta para isso?" Ela grita de novo, rindo um pouco. "Tenha certeza que para mim parece loucura."

"Você sabe que nenhuma de nós nunca foi normal, por isso aceitou fazer isso comigo." Retruco, sorrindo. "Além do mais precisamos expandir e você sabe."

Ela mostra seu rosto adorável em minha porta. Meu total contraste, mas ainda assim meu complemento. Ela me encara do batente da porta, com duas mochilas penduradas nos braços, levantando as mãos Deus sabe lá como para prender o cabelo castanho que passa de seus ombros em um coque desajeitado.

"Acho uma estratégia meio burra para uma administradora voltar para uma cidade sem desenvolvimento como aquela." Ela me julga, nem um pouco suave.

Sorrio, ela sabe que está certa. Mas ela não sabia de muita coisa.

"Ainda bem que você é chef e não administradora, não é mesmo?" A provoco, com as mãos na cintura.

"Não vamos esquecer quem é de exatas aqui, querida." Ela rebate instantaneamente  com deboche, acompanhando minha risada segundos depois.

Passamos pelo batente da porta pelo que imagino ser a última vez em muito tempo. Travo antes de pisar no primeiro degrau, meu coração palpitando estranhamente, doloroso, o que era irônico porque aquela não era nossa casa a muito tempo. Comprar um apartamento maior foi nossa decisão conjunta a menos de três anos atrás, assim que nosso negócio fora citado pela 19º vez no jornal da cidade grande. Alguém de influência precisava de uma casa de respeito. Alguém como quem estávamos nos tornando precisava de rios de dinheiro, festas com pessoas influentes, discussões, reuniões, noites de sono ruim. Era assim que eu definiria o sucesso. Com um monte de flashes e sorrisos educados, muita técnica e pouco oxigénio para meus pulmões, com tristeza.

Mas quem se importa com essas letras miúdas quando assina um contrato? Quem seria o idiota que descartaria a possibilidade de passar de um zero e se tornar um 10? Quem não estaria eufórico por contrariar as teorias de Marx? Se tornar um em um milhão.

Eu estava pronta. Nós estávamos.

Antes, agora eu precisava de um descanso.

Blafémia - Shawn MendesOnde histórias criam vida. Descubra agora