Vitória ficou parada segurando a chave entre os dedos, sentindo o coração pulsar na garganta e o peito vazio. Sabia as palavras que precisavam ser ditas, mas as coragem fugia-lhe como borboletas após um tiro. Ele terminava de puxar o zíper da mala, que, provavelmente, por obra do destino, havia emperrado para que houvesse tempo suficiente pra ela dizer: — Fica!
Dois meses atrás, Vitória jamais poderia imaginar que aquilo aconteceria. Vitória ou qualquer pessoa no Brasil. Não falo no mundo, bem, por que o mundo é grande demais para se resumir em palavras. Mas a China parecia tão distante, um vírus que era noticiado em notas de rodapé, foi se aproximando, crescendo, dominando nossas liberdades e, bem, mais que questão de sobrevivência, trancar portas é um questão de empatia.
Fevereiro de 2020, a agitação do campus da universidade ia crescendo aos poucos. A vida que começaria após o carnaval, mal sabiam os universitários, demoraria mais um pouco. Duas notícias ruins pegaram Vitória de surpresa, logo ali, na curva do ano novo. A bolsa cortada, pois pesquisa não era necessariamente uma prioridade no país em crise e Flávia, sua companheira de apartamento, que trancaria novamente o curso para ir morar com namorado novo no litoral. A garota sentou-se, no banco da lanchonete e deixou o celular velho cair da mão. Arfou, olhando para o nada. Em sua cabeça, fez as contas, era boa de contas, cursava física, mas elas insistiam em não fechar. O apartamento, próximo a universidade era demais para ajuda dos pais, a isso, incluíam-se internet, agua luz, condomínio... Procurar uma nova companheira de quarto, aquele período em que as pessoas ainda não caíram a ficha sobre um ano que se inicia... sentiu-se exausta só de imaginar.
— Ei, moça... — Vitória não ouviu de primeira, — Moça?
— Oi, — assustou-se quando notou um homem agachado na sua frente — Oi...
— Caiu. — ele segurava o celular.
— An?
— Seu celular caiu, — ela notou que a expressão dele havia mudado e um sorriso largo apareceu. A garota pegou o telefone e não disse nada. O jovem levantou-se e continuou olhando-a com a expressão confusa, mas o sorriso ainda estava lá. — Você tá bem?
— Bem, — repetiu ela, — oi, sim, estou bem, obrigada. — emergindo da transe, Vitória começou a reparar no rapaz com quem conversava. A calça desbotada, a camisa florida, os cabelos raspados. Um punhado de panfletos na mão. Quando percebeu que ela pousara os olhos nos panfletos, estendeu um.
— Nova chapa do DCE...
—Ah... — recebeu, apática, — Obrigada, — sorriu, com os lábios cerrados.
— Até, — despediu-se.
— Até, — respondeu ela, deixando o panfleto no banco e levantando-se.
Juntando os livros contra o peito, antes de ir para a sala, a futura física parou de frente a um mural de avisos no corredor e percebeu que muitas vagas existiam para novos estudantes. Talvez encontrar um novo lugar para morar, mas lembrou-se do contrato, renovado recentemente, e a multa seria inviável.
— Oi, Vitória, bom dia. — Clara tocou-lhe o ombro.
— Péssimo dia... — deixou a cabeça dependurar-se.
— O que foi? Planos furados pro carnaval?
— Nada de carnaval, minha bolsa foi cortada e a Flávia saiu do apartamento, — desabafou, — e ainda quebrei mais um pouco esse celular idiota.
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Amor de quarentena
RomanceDois opostos trancafiados em um apartamento enquanto o mundo rui. Pode nascer o amor em tempos sóbrios?