Rodrigo tinha quinze anos e era seu primeiro dia no seminário. O local era muito tranquilo. O silêncio era pleno. Somente era possível ouvir os sons do canto de alguns pardais que estavam parados sob o beiral do telhado ou do voo daqueles que cruzavam o pátio daquela que um dia havia sido a sede de uma rica fazenda produtora de batatas, nos arredores de Sevilla.
Sua mãe, Ângela, que o acompanhava, ficou de longe, chorando, silenciosamente, sob a sombra da castanheira que ficava logo à entrada do pátio, observando o primeiro contato de seu filho com a autoridade do local.
Era uma manhã típica de outono e a temperatura do corpo de Rodrigo, ou quem sabe de sua alma, podia ser notada a partir das gotas de suor de seu rosto, o que chamou a atenção do Padre Clemente (responsável pela Coordenação dos estudos dos noviços).
– Seja bem–vindo meu jovem, vejo que está com muito calor – disse o Padre.
– Obrigado! É verdade senhor padre. Estou sentindo tanto calor que, apesar de estarmos à sombra, minha pele arde como quando nos aproximamos de uma fogueira de São João.
A explicação não convenceu o Padre que, muito sutilmente, continuou a investigar os motivos reais que levavam àquela transpiração um pouco exagerada, uma cena que fez o velho padre resgatar na memória o seu primeiro dia no Seminário Conciliar de Madrid.
Ao contrário de Rodrigo, Clemente chegou ao Seminário em uma manhã de fevereiro, em meio a um rigoroso inverno. Marieta, sua mãe, o acompanhava e estava convencida que aquele frio intenso que trouxe neve à cidade, após um período de 8 anos, era sinal de mau agouro. Na época, aquilo havia deixado Clemente preocupado se realmente teria vocação. Seria essa a má sorte – dedicar vários anos de sua vida à formação e no final não se tornar padre – anunciada pelos flocos de neve que caíam do céu, lentamente em zigue-zagues, até que se encontravam com o solo e formavam aquele irregular tapete de gelo? Felizmente, Marieta não estava correta em sua superstição e Clemente se ordenou padre, já fazia 35 anos.
– Diga– me Rodrigo, há alguma outra causa, além deste calor infernal, que possa estar te provocando certa ansiedade?
Rodrigo, que a vida toda se considerou um mestre do disfarce, se assustou com a desconfiança. Sempre conseguia fazer sua mãe acreditar em suas verdades, como no caso em que, acidentalmente, quebrou a imagem da Nossa Senhora das Dores ao jogar bola dentro de casa. Quando sua mãe perguntou o que havia acontecido, o menino disse que foi Theo que, ao passar correndo, quebrou a imagem que havia sido da avó de Ângela e dado a ela como presente em sua primeira comunhão – Théo era o gato da família, um amigo de quem Rodrigo, certamente, sentiria muita falta nos anos de isolamento e rotina que estavam por vir.
– Ahh, senhor padre. O que mais poderia estar me incomodando?
– Pois é justamente isso que estou tentando descobrir.
Clemente, percebendo a resistência do garoto – nessa altura o rubor em seu rosto já não deixava dúvidas de que escondia algo – insistiu, sorrindo:
– Querido Rodrigo, estou nesse Seminário faz 20 anos. Já recebi mais de 300 jovens como você e posso lhe garantir que sei reconhecer os sinais de ansiedade. Não tente enrolar seu futuro tutor – disse o padre usando um vocabulário informal e buscando construir um canal de empatia.
Rodrigo, ainda acreditando ser capaz de enganar Clemente, tentou mais uma vez dar-lhe uma volta. Ficou sério, como na ocasião em que sua mãe havia perguntado sobre quem fora o responsável por quebrar a imagem de Nossa Senhora das Dores, e retrucou com a voz segura e forte:
– Padre Clemente, é isso que vou aprender aqui? A acusar às pessoas? Eu imaginei que a confiança era um valor fundamental para a Igreja. Minha mãe sempre me dizia que o que une o Padre e os fiéis é a confiança.
Clemente, gostando do desenrolar da estória e reconhecendo a inteligência e as habilidades de oratória que Rodrigo demonstrava – inclusive muito superior ao que se podia esperar para alguém de sua idade – resolveu dar corda à conversa e ver o desfecho que teria.
– Pois é justamente por isso que estou lhe perguntando, Rodrigo. Sua mãe lhe ensinou muito bem. A confiança é fundamental na relação entre o padre e os fiéis, mas também será fundamental em nossa relação de tutor e aprendiz.
– Não há nada que me está escondendo, talvez por receio ou vergonha? – perguntou Clemente, utilizando seus mais profundos conhecimentos da arte da persuasão, deixando transparecer uma margem de dúvida para que a escolha por contar a verdade pudesse partir de Rodrigo.
Rodrigo que, apesar de inteligente, ainda precisaria aprender muito com Clemente, caiu, rapidamente, na armadilha. Seguro de que demonstraria certa superioridade e teria o domínio da relação resolveu revelar a verdade.
– Padre Clemente, minha mãe disse que eu viria para aqui e seria um pastor de ovelhas. Eu gosto de animais, mas para brincar, não para cuidar. Quando cheguei, vi que havia um noviço retirando o esterco do curral e - já chorando, continuou – eu não quero ser um pastor!
Clemente, surpreso com a inocência do garoto que até então havia demonstrado certa maturidade, posicionado ao lado direito de Rodrigo, abraçou-o por cima dos ombros, abriu um largo sorriso e disse:
– Meu cordeirinho, não se preocupe. Confie em mim. Você será um excelente pastor, mas suas ovelhas serão diferentes e você, depois que se ordenar padre, não terá que retirar o esterco do curral. Até lá, sinto lhe informar, mas você terá que cumprir com todas as suas obrigações, como qualquer noviço.
Rodrigo, ainda soluçando, olhou por sobre o ombro esquerdo em direção à castanheira, abanou a mão e se despediu de sua mãe que, como uma estátua da Virgem Santíssima da qual emergem lágrimas milagrosas, permanecia ali, observando seu filho.
Rodrigo já passava pelo portal de entrada do salão principal quando Ângela lhe retribuiu o aceno com as mãos, perdida em seus pensamentos de mãe <<querido Deus, receba meu filho em sua Casa e o acolha com amor e carinho. Ele chora de felicidade por fazer parte de seu rebanho>>.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O noviço
Short StoryRodrigo está chegando ao Seminário. Será seu primeiro dia, sua mãe o acompanha, mas uma angústia se expressa em seu interior. O que estará passando em seu coração?