Dever cumprido

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   A lua parecia uma lâmpada gigante no céu. Iluminando o mar agitado àquela hora da noite, as espumas brancas subiam agitadas ate o alto da areia de depois desciam lenta e vertiginosamente. O vento impiedoso movia as folhas da palmeira na margem da praia.

   Rubião parou a caminhonete decadente, no fim da estrada. Por alguns minutos ele ficou ali estático, as duas mãos no volante, o radio do carro em alguma das milhares de estações de rádios clandestinas que tinha por aquela área cantava um forro antigo que lhe recordava o passado sofrido nas lavouras de cana com o pai analfabeto e violento e a mãe submissa e triste. Ele choraria se fosse a alguns anos atrás. Hoje aquele sentimento bobo não o afeta como antes. Presenciou tantas vezes o choro da mãe enquanto o pai a espancava que se acostumou. E como se acostumou!

   Sorriu escorregando os olhos do céu. Estava tão lindo! Rubião amava as estrelas e aquela noite muitas estavam ali. Aguardando-o se livra de um fardo tão pesado para ele. Mirou a mão esquerda grande, de macho como o próprio pai gostava de dizer a ele. Ele ainda segurava o volante com força. Avaliou o lugar onde um dia estivera ali seu dedo mindinho. Sorriu em meio a uma lagrima que desceu solitária pelo rosto pardo e queimado de sol, com algumas rugas mesmo ainda estando nos seu 27 anos.

   Os gritos ainda ecoavam nos seus ouvidos longe como um sinal do que um dia fora humano o suficiente para sentir dor. Seus. E de sua amada mãe. Que naquele dia fora para o céu e talvez fosse uma daquelas estrelas ali. Mas antes de virar estrela ele a viu levar três facadas no peito que lhe amamentou, escutou seus gritos sua tentativa de correr e se salvar, o sangue descer caudaloso pela blusa de algodão branca com a estampa de um candidato a vereador. A viu cair no chão ao lado da mesa. Da cozinha sobre a luz fraca de uma lamparina, viu as tabuas do assoalhos avermelharem-se com o liquido, e também viu seu dito pai com a faca na mão, tremulo olhos esbugalhado e mãos sujas de sangue. O cheiro de álcool e sangue se misturavam na casa toda. No canto do corredor ali com os olhos cheios de lagrimas, abraçado aos joelhos enormes e pernas finas Rubião tremia e chorava temendo a morte. Todavia essa não veio. Sucedeu-se um aprisionamento seu na casa, o monstros temia que ele falasse algo. E quando descobriram o corpo da mulher e o garoto enfim o incriminou. Perdeu o dedo mindinho naquele dia como prova do amor do pai para com ele. "Homem protege homem", escutou quando seu dedo era jogado no fogo a lenha da palafita. Foi a ultima vez que chorou na vida.

- eu me tornei macho pai! – exclamou mordendo o lábio inferior para conter o choro que estava na garganta como um nó.

   Olhou para trás ocorpo esquartejado e dividido em nove mochilas recheados de pedras para que nãocorresse o risco de emergir. Limpou a lagrima olhando para as estrelas como setivesse cumprindo uma promessa. Abriu a porta da caminhonete com dificuldade. Deixandouma mancha de sangue na porta pelo lado de dentro. Teve que bater 3 vezes paraque ela trancasse em fim. Abriu a porta lateral. Retirou sacolas por sacolas ecolocou sobre a areia. Sem remoço algum levou um a um os pedaços do velhomonstros e jogou ao mar certificando de que as ondas não voltasse. Depois daultima as sacola ser deixada o mais longe possível da margem Rubião voltou paraa caminhonete pegou uma ultima mochila nessa nada de corpos apenas uma carteirade cigarros amassado onde apenas um ultimo restava, um isqueiro e um revolvercom uma única bala. Sentou-se na areia molhada descansando o corpo e a mente ascendeuo ultimo cigarro e o tragou ate o fim olhando o céu e sorrindo. Dever cumprido.Pegou a arma e colocando seu cano acima do orelha disparou.

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⏰ Última atualização: May 19, 2020 ⏰

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