"Nossa linguagem precisa de infinitos sinônimos para a beleza;
os olhos podiam ver o que a língua não pode descrever."
― Anne Rice, Memnoch the Devil.A cidade de Londres não era tão diferente de Nova Iorque.
Observava o movimento caótico e fervilhante das pessoas que desembarcavam do navio, suas figuras miúdas desciam apressadas pela ponte da terceira classe como um amontoado de roupas de cor de café coado.
Quando meu amigo e eu fizemos o mesmo, já havia uma carruagem à nossa espera a mando do homem que me trouxe para esse lado do oceano. Não houve muitas trocas de palavras, o que me incomodou de início, mas não o suficiente para estragar a experiência de olhar curioso para as ruas desconhecidas e notar o quão forte era o miasma encalacrado em cada esquina.
Esqueci a unidade do tempo devaneando sobre coisas pueris, apenas dei-me conta quando passamos pelo portão da propriedade do nobre Lorde Oh que os compromissos finalmente iriam assolar.
O cocheiro disse para que nos aguardássemos na carruagem e saiu.
— Dizem que o homem é exigente. — meu amigo falou baixinho, quase colado ao ouvido. — Seja o mais simpático possível.
— Michael, não sou um caipira. — retruquei. — Não é o primeiro magnata inglês de qual trato.
— Ainda não acho certo vender seus manuscritos para que outros publiquem e ganhem a fama. — Michael era um homem de Minnesota do qual estimava muito, mas desejava socá-lo em situações esporádicas, e bem, essa era uma delas. — Tudo bem, tudo bem. Não irei interferir.
— Não interfiro em seu comércio de alucinógenos, acho justa essa troca.
Um outro empregado da casa foi ao nosso encontro depois de um bom tempo, as suas desculpas foram polidas e tinha um ar mais requintado que o homem que nos buscou no porto. Imaginei que fosse um mordomo, a cabeça grisalha com entradas brilhantes na testa dava ao seu rosto de pele vermelha certo toque macabro, mas nada comparado aos olhos aquilinos de azul estranhíssimo.
A nossa recepção foi como em muitas outras ocasiões de praxe, mas dessa vez me surpreendi.
Logo na entrada víamos garçons com bonitas bandejas reluzentes de cor prata e sobre elas haviam sinuosas taças de cristal abraçando em seu interior a bebida cor de lua.
A visão era bela e coordenada.
O mordomo nos levou até o nicho de nobres, os senhores de idade estavam gargalhando ao redor de um jovem rapaz de rosto porcelana. Ele era tão belo que meus olhos mentiam falando que o que via era uma pintura de Botticelli de carne e osso.
Seu olhar pairou por mim por bons segundos e parecia tão interessado quanto eu, isso me deixaria cismado em outras situações, porém, não era muito fácil encontrar um homem atraente por essas bandas e iria me aproveitar disso, já que olhar não era crime algum.
Acreditei que era impossível não olhar em direção ao anfitrião durante todo o grande tempo que tomamos um belo chá de cadeira. Talvez pelo tédio eu tenha me aventurado um pouco mais distante do centro da confraternização para observar os bustos romanos expostos em um corredor iluminado adjacente à grande sala de visitas.
Corredor onde tudo era tão requintado que as paredes tinham papéis aveludados de cor vermelha bordô e listras douradas onde iniciava a madeira até o piso.
Passei a olhar melhor para os homens de mármore e conhecia apenas um deles, o Calígula.
A figura do imperador me dava arrepios, mas atraia minha curiosidade para o mundo antigo e no que ele se transformou. A modernidade não é interessante, não me seduz, não há nada para se deliciar além de caos.
Iria dar um passo para trás, quando minhas costas bateram em uma superfície macia. Estranhei o toque, mas ainda dei pouco caso, até notar que era uma pessoa atrás de mim.
Não era só uma pessoa, mas Lorde Oh.
Fiquei desconcertado, um pouco mais depois dos lábios se curvavam em um sorriso amigável ao colocar a mão direita sobre meu ombro, aquela situação fazia que me sentisse um garoto bobo sendo pego mexendo onde não deve.
— Perdoe-me, não é minha intenção xeretar sua casa.
— Não diga asneiras. Não fez nada de errado, aliás, vim em sua procura para conversarmos sobre o seu livro! Han Lu, certo? Ou prefere que o chame pela ordem oriental, Lu Han? — Lorde Oh tinha um modo pitoresco de sorrir enquanto falava, algo como se fosse treinando para fazer isso como um nobre nato. — Vamos para um lugar com menos cochichos inúteis. Siga-me.
O lorde abriu uma pesada porta de madeira de um escritório que correu para os lados, então entrei e fechou suas folhas em um baque surdo. Logo, o lugar mergulhou em um silêncio macio aos meus ouvidos sem ruídos exteriores.
Sentei na cadeira onde indicou e fez o mesmo em seguida.
— Então, senhor Lu. Muito prazer em conhecê-lo, agora posso falar isso com liberdade. Bem, vamos ao o que nos interessa. — observei quando tirou alguns papéis das gavetas mais baixas do móvel de mogno. — Fico contente que irá ficar hospedado em minha casa, ainda que não tenha escolha, pois, não precisamos que nossos negócios escapem para a impressa marrom britânica.
Ele pausou para ter certeza se o escutava, então prosseguiu.
— Quero um livro polêmico, algo que choque todas as classes possíveis. Já que estaremos protegidos pelo anonimato, a sua mente de escritor e as minhas ideias darão frutos históricos.
— Sabia que a oferta tinha que ter uma vírgula controversa. — cocei a nuca cismado. — Se não irá assinar o livro com seu nome, então, qual as ideias hediondas que propõe?
— Primeiro, me responda. — o lorde se inclinou para frente. — O que pretende alcançar como um escritor se sujeitando a trabalhos como esse?
— Quero ser lembrado através dos anos, ainda que não saibam meu nome. E bem, são assuntos que não são de seu interesse.
Ele deu um riso de satisfação.
— A excentricidade de um artista! Isso me fascina.
— A minha mediocridade, não? Sejamos sinceros, Lorde Oh. — ele deu outra daquelas risadas, qual não acompanhei. — Terá que me custear, não quero que isso seja abatido no meu pagamento quando terminar o manuscrito. E dependendo de suas ideias mirabolantes, não termino o livro em menos de três meses.
— Três meses? Mais rápido do que havia pensado.
— Possuo um contrato que garante o meu anonimato, se caso quebrá-lo irá me pagar 100 mil libras por semana que fiquei sob sua proteção durante o processo do dito manuscrito.
— Correto, um tanto pretensioso, mas correto. Acho que faremos um bom negócio.
Lorde SeHun Oh estendeu a mão para um cumprimento traiçoeiro, já que havia uma nuance estranha de mentira que pairava em seu rosto definido. Talvez, reflexo de uma guerra interna com mistérios perturbadores demais e dos quais não desejava saber.
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Blood Prince
VampiroNo ano de 1891, Lu Han recebe uma proposta tentadora do lorde Oh SeHun, um dos nobres mais ricos de Londres. Os mistérios que o envolvia fugiam da realidade, o jovem escritor se vê vivendo dentro do romance proibido e sanguinolento que estimava escr...