Parte 1 - Progresso

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A noite caía sobre a cidade, as luzes se acendiam revelando um brilho branco que tornava o cinza das construções ainda mais cinza. Não havia mais o amarelo do sol ou o azul do céu, apenas o branco das luzes no concreto liso.

Fim do expediente. Acaba o turno de trabalho, acabam as aulas, era o horário recreativo de todos antes do toque de recolher.

Ela fazia o caminho longo para chegar em seu dormitório, gostava de olhar o mar antes de voltar para o cinza habitual dos prédios. Era o lugar mais bonito que conhecia, a beira da cidade no limite do abismo, e abaixo as pedras e a água. Era tudo o que via, o cinza, o mar, e os dias se passando.

Pensava sobre como aquela era a vida normal de todos. Não estava apenas estudando para a prova que teria em alguns dias, conhecimento social. Estava pensando em mudanças que faria na cidade, e sabia que não deveria deixar seus pensamentos serem descobertos.

Conhecia bem a trajetória de cada cidadão. Homens selecionados com base em sua saúde e comportamento tinham seu sêmen colhido, então mulheres de certa faixa de idade eram escolhidas para serem inseminadas, levadas ao centro médico onde ficavam internadas ao final da gravidez e até 3 meses depois de parir. Amamentavam as crianças por alguns meses, e então voltavam para suas rotinas habituais.

As crianças eram criadas no mesmo centro por profissionais até completarem seus 10 anos de idade, quando eram deslocadas para um dormitório onde seria sua casa por mais 10 anos, tempo no qual frequentariam as escolas, se especializando em alguma função na sociedade escolhida com base em seus comportamentos e suas proficiências.

Ela caminhava com seus pensamentos, distraída, e então percebia o grupo de rapazes indo em sua direção. Sua mente voltava para o momento, seu corpo reagia com a preocupação do que estava por vir. Se vira para trás, vendo que estava cercada pelos quatro rapazes.

- Não tente fugir. - O mais alto ameça, jogando um caderno eletrônico em sua frente. Seu diário, onde ela guardava alguns de seus pensamentos..

Um desconforto intenso percorre seu corpo.

- "Por que não posso me sentir bem?" - Debocha outro rapaz, repetindo as frases que lia no diário. - Porque você é uma aberração.

- O que vocês vão fazer? - Ela pergunta desconfortável.

- Você é uma sujeira na nossa moradia. Na nossa escola. - Implica outro rapaz se aproximando.

Ela chora. Sabe que todos da moradia e da escola ficariam sob investigação caso um deles tivesse um crime descoberto e fosse levado para a reabilitação. Todos ficariam sob o risco de serem realocados.

- Achei que você teria aprendido a se comportar da última vez. - Diz um dos garotos agora segurando o braço dela. Ele era forte, sua mão marcava o braço dela.

- Eu não fiz nada de errado! - Ela grita tentando se defender.

- Mentira! A gente sabe dos seus crimes!

- Me solta! - Ela se debate, mas os rapazes a seguravam ainda mais forte. Os outros se aproximavam a encurralando. Sente o vento soprando sobre o mar até suas costas.

- A gente tinha que denunciar você! - Eles ameaçam. - A gente te deu uma chance, mas você desrespeitou a gente, desrespeitou as regras.

- Me deixa sair! - Ela chora em desespero.

O rapaz dá um tapa em seu rosto e ela se cala. Agressão física também era um crime na maioria das situações, mas poderia ser usada na reabilitação de algumas pessoas. Sabia que era uma sensação ruim, mas era bem pior do que pensava. O rosto ardendo com a marca da mão pesada do rapaz. O pulso acelera, ofegante.

- A gente precisa resolver isso antes que descubram. - Comentava outro dos rapazes. Eles se olham em concordância.

- Eles vão fechar a nossa escola se souberem disso. E vai ser tudo culpa sua. Mas eles não vão descobrir, não é rapazes? - O rapaz mais forte ameaça.

- Não! - Ela tenta gritar em desespero, se debatendo enquanto os rapazes a arrastam para trás.

- Você é uma aberração!

Eles a levam para mais perto da beirada. Ela sente a terra sob seus pés se tornar mais áspera e íngreme. Olha para baixo lutando para se prender ao chão, mas não tinha forças para lutar, apenas podia observar, sentir, enquanto a jogavam do penhasco.

Sentia o vento durante a queda, o mar cintilante logo abaixo, as pedras, e então nada.

O AbismoOnde histórias criam vida. Descubra agora