Violeta olhava para o céu azul através das folhas da árvore. Já faziam alguns meses que estava do lado de fora da cidade. Aprendia a ter seus próprios gostos, decidia sua cor preferida, sua fruta preferida e o que vestir, se inspirando em Sol e Lina para montar seu próprio estilo.
Pensava sobre como era difícil não ter uma rotina, todo o tempo que tinha era livre, mas isso começava a incomodá-la, sempre com a sensação de não estar fazendo nada. Sempre com a sensação de que estava perdendo alguma coisa.
- Lina, o que você fazia antes de vir para o lado de fora? - Perguntava curiosa para a amiga.
- Eu estudava, assim como você.
- Estudava para o que?
- Eu não sei. Na Cidade da Luz as pessoas podem decidir o que vão fazer depois de terminar a escola. Mas eu nunca decidi. Nunca terminei.
- Parece difícil ter que tomar uma decisão dessas. Em Progresso a sua profissão é definida antes ir para alguma escola, e lá você aprende o que fará até se formar. - Violeta caminhava o olhar pelo cenário com um misto de saudades e alívio. - Eles disseram que eu seria uma boa arquivista. Cuidando dos documentos da cidade.
- Arquivista? - Lina ria em descrença. - Você deveria ser uma artista. Eu pensava em ser uma, mas não tenho nenhum talento.
- Sol já havia me contado sobre artes e artistas mas não existe isso em Progresso. Qual é a utilidade de criar coisas apenas por criar?
- Na minha cidade nos ensinam que a arte é uma forma de aproximar as pessoas, transmitir experiências e sentimentos, motivar a gente.
- E eu deveria fazer isso?
- Você fez isso mesmo sem saber. O seu diário é uma forma de arte. Você passa as suas experiências, inventa histórias saídas apenas de sua imaginação.
- Isso não ajudou a aproximar as pessoas. - Violeta responde confusa.
- Isso fez com que Sol gostasse de você. Empatia, ela sentiu que podia confiar em você.
- O diário fez com que me jogassem do abismo.
- Também. Ele criou sentimentos diferentes em pessoas diferentes.
- Eu seria detida por isso, por incitar a violência.
- Não na minha cidade. Lá eles gostariam de você.
Lina ficava pensativa olhando para Violeta. Via nela algo que queria ter em si, uma mente sempre procurando por coisas novas e que lutava contra as regras. Era um sentimento que comparava com inveja, e tentava afastar de sua mente.
- Eles não me prenderiam se eu vivesse lá? - Perguntava Violeta encantada.
- Claro que não, eles iam te ensinar a transformar seus pensamentos em algo que as pessoas fossem querer ver.
- Parece mais interessante do que cuidar de documentos.
- Você ia gostar de lá. - Lina comentava pensativa.
- E por que você saiu?
- Eu... Eu não era como eles, então fui embora.
Violeta pensava em perguntar mais para a garota, mas percebia que Lina estava triste. Havia aprendido a sempre tirar suas dúvidas quando crescera, mas do lado de fora da cidade entendia que as pessoas nem sempre se sentiam bem em falar, e se importava com isso.
- Eu também não era como as pessoas em Progresso. Quero conhecer sua cidade.
Lina se espantava por um momento, mas esperava por aquilo, Violeta era curiosa e sonhadora, e certamente iria querer ver a tal cidade. Sabia que a qualquer momento poderia levar a garota para lá, mas não estava pronta para ouvir aquilo.
Já estava a mais de dois anos vivendo no lado de fora apenas na companhia de Sol, e agora tinha a presença de Violeta ao seu lado. Gostava da amiga, sentia uma ligação com ela que não podia sentir com Sol. Sentia mais que uma ligação de carinho e cuidado, sentia que ambas compartilhavam de uma história parecida. Mas sabia que se Violeta gostasse da cidade, não iria querer sair, então perderia sua companhia.
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O Abismo
خيال (فانتازيا)Nascida em Progresso, uma cidade distópica onde todos são tratados como máquinas, Violeta é exilada por não conseguir se adaptar. Agora, sem um futuro marcado para ela, a jovem precisa se encontrar novamente no mundo.