Insuficiência

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Rafaela nota meu desespero e me abraça.

Ouço gritos na quadra.

Meu nariz sangra, mas não consigo sentir dor física. Noto meu reflexo no espelho antes de sair do banheiro. Percebo uma pequena ondulação no meu nariz.

Após Rafaela e eu sairmos do vestiário da quadra, vejo Bruno e Paula discutindo com Luíza e Rebeca. 

Merda, por que estão fazendo aquilo? É por mim? Mal me conhecem!

- SUA PALHAÇA! - Esse grito vem do Bruno. Escuto quando já estou no último degrau da escada para sair da quadra indo em direção da sala da diretora.

O papel que estou segurando pra conter o sangue já está totalmente encharcado. 

- Clarisse, a gente tem que trocar esse papel por algum pano, urgente! - Rafaela fala com a mão na porta da sala da diretoria para abri-la - Marina! - ela grita a diretora que imediatamente tira o telefone da orelha e o desliga.

- Meu Deus!! O que aconteceu???- Ela exclama vindo em minha direção.

- A idiota da Luíza jogou a bola na cara dela de propósito - Rafa fala com as mãos na cintura, indignada.

- Olha o palavreado, Rafaela... - Marina, a diretora, fala, mas percebo arrependimento em sua voz no final.

- É sério que a senhora está preocupada com ISSO? Ela é uma idiota sim!!! - Ok, Rafaela sempre quietinha, nunca imaginei que ela iria ''estourar'' dessa forma.

Por incrível que pareça, Marina não diz nada para ela, apenas me ajuda com o machucado.

Ouço a porta abrir. Com força, deram um tapa para abri-la.

- Clarisse, você tá bem?! - É o Henrique

- É CLARO QUE ELA NÃO ESTÁ, OLHA A SITUAÇÃO DELA! - Rafaela fala e vai na direção dele.

- Mano eu sinto muito de verdade, eu não queria que tivesse acontecido isso!! - Henrique diz e coloca as mãos no meu ombro, enquanto já estou sentada na cadeira com a Marina limpando meu nariz.

- Aaaaaaah, claro que não!!! Mas a escrota da sua namorada fez isso acontecer!!!! E você? Não fez NADA PARA AJUDAR! - Beleza, agora acho que rola porradaria.

- MAS EU NÃO EST... - Henrique não termina de falar, Marina o interrompe. 

- JÁ CHEGA, AGORA! - Marina fala, literalmente enfurecida - Eu ENTENDO o ato que a Luíza cometeu, mas eu NÃO QUERO xingamentos e discussão na minha sala! Saiam já daqui, ANDA! EU vou conversar com a Luíza depois, ôôôôôô se vou!! - A diretora termina o discurso.

- EU ESPERO MESMO! - Rafa diz e sai da sala batendo a porta.

- Desculpa, Clarisse, melhoras! Sinto muito mes... - A diretora não deixa o Henrique terminar de falar e aponta para a porta pra ele se retirar. Ele a obedece, não vejo sua expressão.

Marina termina de limpar o meu nariz, e percebo que não fez uma cara muito legal.

- Seu nariz tá meio... - Ela tenta falar

Já sei o que é

- Torto né? - Completo a sua fala. Sinto uma fadiga tremenda, e solto um gemido de dor.

- É... Sua mãe! Vou ligar para ela - Ela vai em direção ao telefone, disca os números e em questão de segundos minha mãe atende.

- Bom dia! É a mãe da Clarisse Becker? Sua filha sofreu um pequeno acidente aqui na escola, a senhora pode comparecer?

PEQUENO???? SENHORA, EU ACHO QUE MEU NARIZ TÁ QUEBRADO!!!!

Esqueço de toda a dor que estou sentindo, e volto a lembrar do que as meninas me me disseram. Das risadas, xingamentos.

Por que eu ligo pra aquilo? Por que eu me importo tanto com a opinião dos outros? 

Começo a chorar de novo. Que saco, nunca consigo segurar.

Minha mãe chega, preocupadíssima, ela olha meu estado e a situação piora.

Sem exitar, ela me pega e me leva para o carro. Acho que quando saí da sala vi várias pessoas no corredor, mas não me lembro muito bem. 

Minha mãe acelera o carro. Quando mal percebo, já estamos no hospital.

Sento em uma maca, e logo um médico vem me analisar.

- Não há necessidade de cirurgia- Ele diz e eu suspiro - Faço manualmente.

Arregalo os olhos.

Antes que eu faça qualquer coisa ele coloca meu nariz no lugar.

Solto um gemido de dor, porém, momentâneo, achei que doeria bem mais.

Eu achando que já estava tudo resolvido... Olho meu rosto pelo celular da minha mãe e vejo uma LARANJA ROCHA no lugar do meu nariz. Ele está completamente inchado.

Não dá tempo de eu falar nada, a enfermeira faz os curativos para que ele melhore.

Depois de algum tempo no hospital, eu e minha mãe vamos embora. Meu pai liga preocupado, mas não consigo falar com ele, os soluços do meu choro atrapalha.

- Clarisse, por que tá chorando tanto assim? Tá sentindo muita dor? Vamos voltar pro hospital agora! - Minha mãe fala muito preocupada.

- Não mãe, não é isso - Consigo falar.

- Ai Meu Deus, me fala, tô muito preocupada - Minha fala e me olha pelo retrovisor.

Balanço a cabeça que sim. Acho que ela entendeu que eu não conseguia falar e não insistiu.

Chegando em casa eu subo direto pro meu quarto. Encosto minhas costas na porta e desço chorando

''QUE MERDA, QUE MERDA!!'' ''POR QUE EU SOU ASSIM?'' ''POR QUE EU SOU TÃO RIDÍCULA AO PONTO DAS PESSOAS FALAREM'' ''POR QUE EU NÃO CONSIGO ACEITAR MEU CORPO?'' ''POR QUE??!!!''

Eu não só falo essas palavras para mim. Eu grito elas

Já era de se esperar, minha mãe abre a porta do quarto, eu não havia trancado. Ela me encontra já andando por ele chorando muito com as mãos em meu cabelo repetindo as mesmas palavras

- MÃE, POR QUE EU SOU ASSIM ? EU JÁ ERA HORRÍVEL, AGORA ESTOU AINDA MAIS COM A PORRA DO MEU NARIZ QUEBRADO, COM A MERDA DA MEU CORPO ESQUELÉTICO QUE NÃO MUDA DESDE OS MEUS 10 ANOS!!!! - Eu falo completamente descontrolada olhando para ela. Minha mãe vem imediatamente em minha direção e me abraça. Sentamos juntas no tapete e ela chora junto comigo. 

O abraço da minha mãe serve de consolo, o que ela fala para mim me acalma.

Depois de um tempo sentadas juntas no tapete, ela diz pra eu tomar um banho e logo em seguida descer para a sala. Ela me beija e diz que me espera.

Me levanto do chão, e tiro minha roupa em frente ao espelho. Tiro a minha blusa e sinto desprezo pelos seios pequenos, pelos braços finos. O short apesar de ser lycra, era da Rafaela, então  não tinha ficado totalmente colado. Sinto ele descendo pelas minhas pernas, a parte de mim que mais odeio. 

A vontade de socar o espelho é enorme, mas eu não faço isso. Não é culpa dele. Ele apenas me reflete.

Sigo para o banheiro, ligo o chuveiro, a água encosta na minha pele, o vapor sobe.

A gillete está sobre a pia, minha veia está sob meus pulsos.

Meus olhos ficam vidrados na lâmina, minha cabeça imaginando o corte.

- Não - Falo pra mim mesma.

Sinto a água quente.


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⏰ Última atualização: Jun 22, 2020 ⏰

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