Capítulo 1

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16 de Janeiro

Encaro o teto branco do meu quarto tentando criar coragem. Hoje completo 21 anos de idade. Muitas pessoas adoram o dia do aniversário, e eu até que gosto, mas esse ano seria completamente diferente. 21 anos. É a idade dela. Ou era pra ser. Por planos do universo, eu atingi a idade da minha irmã mais velha. Ela nunca completaria 22 anos. Sinto uma pontada no meu peito. Sinto sua falta.

Ouço uma batida na porta do meu quarto, e antes de ser aberta eu ja sei quem é: minha mãe e meu pai. Já é tradição. Todos os anos eles fazem isso: vem no quarto de manhã dar um beijo e um abraço. Fico em silêncio, esperando, até a porta ser aberta e mostrar eles.
Minha mãe, americana. Quem olha, pensa que ela tem seus 30 anos, mas já passou da casa dos 40. Mas sempre foi muito vaidosa, e o tempo não foi capaz de diminuir a beleza dela. Com seus cabelos escuros que eu herdei, e olhos verde que ficou para minha irmã. Meu pai, meio coreano meio japonês. Daqueles que sorri e os olhos desaparecem. Alguns poucos anos mais novo que minha mãe, mas não tão conservado quanto ela. Minha mãe sempre alertou a importância do protetor solar, mas meu pai nunca quis ouvir, então o tempo não foi tão bom para ele. Eles são casados a 23 anos e nunca se separaram. Mamãe sempre diz que ele é a força dela e ele sempre lembra que ela é a razão dele.

-Bom dia, aniversariante. - Minha mãe abre um sorriso entrando no quarto e indo em direção a minha cama, se sentando junto a mim. - Estamos aqui para lembrar como te amamos. - Ela ainda sorri, acompanhada do meu pai que fica em pé, próximo a cama. Eles passaram meses sem sorrir. E mesmo agora, 3 anos depois, eles ainda não sorriem do mesmo jeito. - Eu amo você, Kim Bae.

- Você é nossa inspiração. - Meu pai lembra o significado do meu nome. "Bae" significava "aquela que inspira". Mesmo sendo coreana de nascença, minha mãe disse que queria um nome diferente, que as pessoas soubesse que de algum jeito, eu não era totalmente coreana. Queria que eu fosse um pouco americana, como ela. "Bae" era uma boa opção. Meu pai abaixa pra dar um beijo na minha testa e o gesto me deixa feliz. Meu pai sempre foi carinhoso, mas não tanto como minha mãe. Então toda vez que me beija ou me abraça, eu me sinto extremamente grata. - Feliz vida, meu amor. - Ele sussurra enquanto revela a caixinha embrulhada que escondia atrás do corpo. Quando abro a caixa, vejo um lindo colar prata e um pingente em formado de lírio. Sinto meus olhos enchendo de lágrimas. Eu sabia o significado daquilo. - Ela sempre estará com você. 
Sinto sua falta. Ainda olhando o colar sinto uma lágrima escorrendo pelo meu rosto. Sinto muito a sua falta. Sinto falta de Nari. Nari significa lírios. Kim Nari, minha irmã mais velha que morreu em um acidente de carro, 3 anos atrás. Minha irmã mais velha que morreu com 21 anos de idade.
- Obrigada. - Digo, enxugando a lágrima no meu rosto e olho para os meus pais. - Muito obrigada, eu gostei muito. - Eles ainda tinham sorrisos leves, mas eu sei como era difícil aquilo tudo. Quando aconteceu o acidente, e Nari morreu, eles morreram um pouquinho também. Todos nós. - Eu preciso me levantar para ir trabalhar. - Digo ficando em pé e deixando a caixinha na cama - Mesmo sendo meu aniversário, eu tenho que ir, não recebi folga. - Digo entrando no banheiro sem nem deixar eles responderem qualquer coisa.
Quando tranco a porta, suspiro. Eu não gosto de chorar na frente deles, porque eu sei que eles ficam mais preocupados. Devem pensar que eu vou voltar a fazer tudo que eu fiz naquela época a qualquer momento. Mas eu não seria aquela pessoa de novo, de jeito nenhum. Por Nari.
Entro no chuveiro e tento relaxar. O dia vai ser longo e eu tenho que ter psicológico pra enfrentar ele. Depois de um banho rápido e colocar a roupa, eu desço pra o café da manhã.
O de sempre: torradas, ovos mexidos e café. A tv ligada passando o jornal da manhã enquanto meu pai lia o livro da semana. "A importância da democracia" consegui ler a capa. Morávamos na Coréia do Sul, mas tínhamos o espírito americano. Era o que minha mãe sempre dizia.
Depois de comer subo correndo para o meu quarto. Pego todo o necessário: bolsa, chaves e o notebook. Coloco o colar de lírio e me encaro no espelho por um tempo. Meu cabelo já passava da altura do peito. Não tinha passado maquiagem naquela manhã, mas eu gostava da minha pele. Blusa branca e calça preta. Usei um tênis qualquer e um casaco verde militar. Não tinha porquê grandes produções hoje. E podem me chamar de metida, mas eu me acho bonita assim, naturalmente.
Olho para o meu celular e desço apresada. Tenho 20 minutos para chegar no café. Grito um "tchau" para os meus pais e vou em direção ao meu carro. Tínhamos vendido o carro da minha irmã, depois de 1 ano do acidente e com o dinheiro meus pai compraram uma HB20 branco para mim. Eu não ia conseguir usar o carro dela.
Assim que entro e coloco minhas coisas no banco do passageiro, percebo um caminhão de mudanças parado na casa ao lado da minha. Novos vizinhos? Provavelmente. Vejo um sofá lindo e com certeza caro todo cinza escuro saindo do caminhão. Bom gosto. Olho por mais um tempo tentando reconhecer quem seria o proprietário da casa, mas só vi homens carregando caixas e móveis. Mais tarde, quando voltasse, minha mãe já teria todas as informações da nova família, com certeza.
Ligo o carro e saio rumo ao cafeteria Aram. E mais uma vez penso: hoje o dia será longo.

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