Segunda feira... mais uma segunda feira que eu saio de casa em cima dos saltos não muito altos, com a esperança de ser um dia melhor, onde vou conseguir outro emprego e finalmente fugir desse pesadelo que eu chamo de vida.
A cada passo o pesadelo se torna mais real. Fazer aquele caminho tão conhecido por mim, pegar o mesmo ônibus de todo dia, comprar o mesmo café de toda manhã fica cada vez mais desgastante.
Me sentia desconfortável nessa saia justa e esse terninho apertado, tentava, mesmo que debaixo de um sol escaldante, me esconder com meu sobretudo bege, mas era impossível me esconder dentro daquele escritório de advocacia onde eu trabalhava como secretaria.
Ao chegar naquele prédio que por fora era tão bonito mas por dentro só existia cegueira. Quando peguei o elevador, respirando fundo para tentar me acalmar e conseguir fingir o melhor sorriso possível para tentar passar despercebida de todos os demônios que me controlavam, alguém não muito conhecido por mim entra no mesmo me desejando bom dia, no qual respondo educadamente logo saindo do elevador em direção a minha mesa para viver mais um dia... se posso chamar isso de viver.
Sentando na minha desconfortável cadeira preta, uma colega de trabalho para seu caminho na frente da minha mesa e sorri exibindo seu batom vermelho:
-Bom dia!- exclama com um olhar de pena- as coisas melhoraram por aqui?
Por um momento realmente acreditei que ela se importava, ela realmente sabia fingir.
-Sim, está tudo bem- por que me abrir com alguém que não se importa e não vai fazer nada pra me ajudar?
Ela assente ainda sorrindo e volta a seguir seu caminho de volta para sua própria mesa. É todo dia assim, todos veem o que acontecem bem na frente deles mas preferem ignorar e me olhar com condolência no dia seguinte somente para manterem seus empregos. E eu? Faço o mesmo.
O dia seguia, tentava ao máximo escapar de todos os olhares de dó dirigidos a mim e me concentrar no meu trabalho. A cada e-mail enviado ao meu superior, cada vez que lia seu nome, o nome causador dos meus pesadelos tanto inconscientes como conscientes, meu corpo sofria um tipo de tremor, um mais forte que o outro. Suas palavras de manipulação vinham em minha cabeça, as lembranças de todas as vezes que eu tive que ficar sozinha com ele vinham a minha mente. Todos os meus pensamentos e desespero foram interrompidos pelo telefone tocando. Ao atender, sua voz grossa invade meus ouvidos me causando calafrios:
-Por favor venha a minha sala com os documentos que solicitei.- disse desligando logo após.
Juntei todos os papeis já separados por mim dias antes de solicitado, tudo isso para poder passar o mínimo de tempo ao lado daquele ser humano que na verdade não pode ser denominado dessa forma.
Ao adentrar em sua sala, tento descer ao máximo minha saia que ao meu ver parecia cada vez menor em meu corpo. Deixo os papeis em sua mesa e me viro para sair de sua sala, me controlando para não correr daquele lugar.
-Tranque a porta por favor- ele fala com a voz baixa analisando os papeis.
Penso se deveria apenas ignorar e sair daquela sala antes que seja tarde demais para conseguir impedir alguma coisa que viesse a acontecer. Respiro fundo e dou meia volta ignorando todos aquelas ideias e focando em só uma coisa: melhor aguentar isso do que perder o emprego e de dar desgosto pros meus pais por me demitir de um emprego tão "bom". Mesmo que eu pudesse procurar outro emprego, até acha-lo eu não iria ter dinheiro o suficiente nem para me alimentar...e me recusaria a pedir ajuda aos meus pais, não de novo.
-Sente se – novamente escuto sua voz, a voz que tanto me assombrava, porém mesmo apavorada sento na cadeira na sua frente, tentando cobrir minhas pernas com as mãos – precisamos conversar.
Assinto nervosa já sabendo o que ia acontecer. Era sempre assim, ele me chamava em sua sala com alguma desculpa. Ele levanta de sua cadeira desabotoando o seu terno preto e afrouxando a gravata azul escuro enquanto andava em minha direção.
-Já pensou em tudo que eu te disse? – diz colocando suas mãos nos meus ombros – percebeu que tentar fugir não é uma opção? Nenhuma empresa vai te querer, você não trabalha bem, nem sequer tem um rosto bonito para fazer qualquer outra coisa a não ser ficar trancada num escritório o dia inteiro.
Respiro fundo tentando me controlar e continuar com a minha decisão de continuar em silencio, não podia perder aquele emprego. Me mexo um pouco na tentativa falha de me livrar de suas mãos, mas ele só as aperta mais nos meus ombros.
-Devia me agradecer por eu fazer tudo isso pra você – desce suas mãos me tocando nos braços – por eu te dizer o que realmente acontece aqui dentro e o que aconteceria se você saísse daqui. – diz calmo com a voz cada vez mais perto da minha orelha.
A cada palavra sua minha respiração se agitava mais, a sensação de desespero e sufocamento aumentava a cada centímetro que ele se aproximava de mim. Já conseguia sentir a pele se seu rosto em contato com o meu pescoço e sua mão indo de encontro as minhas pernas.
- Uma das melhores coisas que eu fiz pra sua vida foi te obrigar a usar essa saia... pelo menos ela valoriza um pouco seu corpo, as pessoas conseguem pelo menos encontrar um motivo positivo pra olhar pra você.
Seguro um pouco o choro tentando me controlar. Minha autoestima nunca foi boa, então no fundo eu sabia que tudo o que ele dizia era verdade. Já mudei diversas vezes meu cabelo e meu estilo de vestir na tentativa de me sentir melhor com a minha aparência, mas tudo dava errado. Porém num dia meu cabelo não aguentou tantas mudanças de uma vez só e sofreu um corte químico, que deu origem ao meu cabelo curto e preto, o qual eu também não me sinto bem.
- E mais uma vez... essa conversa não sai daqui... entendido? – se afasta ficando em pé ao meu lado me encarando como se eu fosse uma presa fácil no meio de tantas outras – Pode voltar ao trabalho – diz e volta a se sentar atrás de sua mesa.
Saio de sua sala ainda me segurando para não desabar em lagrimas bem no meio daquele inferno no, qual eu chamava de trabalho voltando a sentar na minha mesa.
Por que tudo aquilo estava acontecendo comigo? O que eu tinha feito de tão ruim para merecer isso? Por que não conseguia somente me sentir bem comigo mesma e tentar alcançar alguma força, mesmo que mínima, para gritar dentro daquela sala e finalmente me livrar desse pesadelo que eu chamo de vida? Por que eu tinha que viver tudo isso sozinha, sem o apoio de ninguém?
Talvez esse tenha sido o que o destino tivesse reservado pra mim. Talvez tenha sido uma espécie de punição por ter saído da casa dos meus pais, mesmo contra a vontade deles, e tentar viver uma vida independente. Talvez eu realmente merecesse isso, porém mesmo não querendo mais aquilo tudo pra mim, não poderia pedir demissão, não enquanto não encontrasse outro emprego.
Tento me livrar de todos esses pensamentos que me acompanham todas as vezes q eu saio daquela sala e voltar ao trabalho como sempre fiz e continuo a fazer.
Mantenha o sorriso, ninguém vai te ajudar mesmo.
No final do expediente, sou a primeira a sair do prédio, correndo como se estivesse fugindo de algo, quem sabe eu estivesse mesmo. Já longe o bastante do meu local de trabalho, ponho para fora todas as angustias que se mantinham presas em meu peito, chorando e me segurando para não gritar.
E ao chegar em casa, continuo minha rotina: tomar um banho, jantar mesmo que não tivesse fome e ir dormir na esperança de no dia seguinte ser um dia melhor.