A mulher frágil

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      O breu noturno afastava os curiosos que tentavam se aproximar do beco de pedras lisas e soltas. Ventos frios adentravam com facilidade àquele espaço, levando consigo o cheiro de comida estragada, ratos mortos e ferrugem para várias direções. A luz da lua refletida nas poças de água mal cheirosas denunciavam os ratos que corriam em frenesi, mordendo pequenos objetos ou restos de comida dos lixos. A luz que chegava da rua, feita também de pedras, iluminava dois adultos no interior do beco, os entulhos e os lixos ali dispostos escondiam a maior parte dos dois corpos, deixando apenas suas cabeças visíveis para quem olhasse para lá, como o caso da criança parada atrás de um amontoado de madeiras úmidas e ferros enferrujados. O entulho superava a altura do garoto e impedia os dois adultos de o verem com facilidade. Ele fitava tudo com muita atenção, precisando a todo momento tirar seus cabelos pretos e oleosos da frente dos olhos castanhos. Seu rosto magro, ilegível para olhos desatentos, não esboçou surpresa para com a cena, apenas curiosidade. A coceira incessante em seu pescoço deixara sua pele, antes branca, vermelha arroxeada, mas não o incomodava naquele momento de atenção. Suas roupas, de tão surradas, mal tampava as partes do seu corpo ou o aquecia nas noites frias como aquela, porém estavam impecavelmente limpas, como sua mãe sempre deixara.
   O olhar entediado da mulher recaiu sobre o garoto. Não emitiu som, mas ela pronunciou "Claus" com os lábios, tampando-os logo em seguida. Seus olhos castanhos se desviaram rapidamente do garoto, tornando a focar o homem a sua frente. Ele era alto e robusto, seu porte físico talvez fosse fruto de uma vida no campo, mas camponeses daquela região não poderiam manter músculos saudáveis, ou possuíam uma pele escura. Suas roupas caras e limpas, feitas de lã, linho e couro, o protegia do frio e das rajadas de vento. Não possuíam adornos ou enfeites. Suas atitudes esbanjavam uma superioridade não apenas para o ambiente, mas também para a mulher a sua frente. Ele pronunciou, ignorando os movimentos e olhares dela:
    — Dinny seu nome, certo? Espero que tenha certeza que esse local é discreto, não quero ser visto com alguém como você. — Dinny não percebeu qualquer característica além de arrogância e desprezo na voz dele.
   Ele tentou observar melhor a mulher semioculta pela escuridão, seus olhos castanhos grandes pareciam apreensivos, talvez estivesse com medo dele. Sua pele branca, inflexível devido ao frio, ostentavam algumas marcas roxas, os cabelos pretos e embaralhados caíam até os ombros. Ela era pequena e esguia, um pouco magra. Vestia apenas uma camisa simples de pano esfarrapado e uma saia caindo até os joelhos. Não viu nada que chamasse a atenção. Talvez se a visse na rua pensaria que ela era uma esposa de um camponês ou um taberneiro, ele pensou.
    Dinny respondeu com uma voz engasgada:
   — Poucas pessoas vêm aqui, senhor. — Ela deu alguns passos para o final do beco e ficou de frente para a rua, acompanhada pelo olhar do homem. — Vem. — Levantou a saia curta até a cintura, revelando uma calcinha de algodão e bordados circulares. Abriu uma das pernas a poucos centímetros do chão. — Está um pouco frio, preciso que alguém me esquente.
      Ele apertou as nádegas de Dinny com força, ignorou seu gemido de dor, e despiu sua saia, deixando-as no chão húmido, tirando dela a pouca proteção que tinha contra o frio. As rajadas de vento arrepiavam seus pelos e a encolhia, o que a fez se sentir-se completamente vulnerável. O homem a vislumbrava como um predador olhando a carne suculenta a sua espera. Ele desceu a mão pelo pescoço dela, tocando a parte superior dos seios. O único estimulo que Dinny respondera era o do frio. Suas pernas nuas tremiam, ele percebera, seu corpo pequeno e frágil estava rígido e seus dentes batiam violentamente. Não era como as moças que antes ele despojara. Ela não iria se sentir confortável mesmo em um ambiente quente, mesmo que ele a acariciasse, ou tentasse dizer coisas bonitas. Não havia sentimento, paixão ou qualquer coisa que faça uma mulher se entregar à um homem. Era um negócio, pensou ele, e ela era a mercadoria.
   — Tire minha calça e comece. Não podemos ser vistos, não faça barulho. — disse ele com uma naturalidade já conhecia por ela. Muitos homens que visitavam o bordel tratavam-nas como se tratam os escravos. Diziam que elas eram impuras e que deveriam criminalizar a prática de venda sexual, mas nos dias seguintes estavam em um beco silencioso com alguma garota para não serem vistos entrando na Casa. Esse homem não parecia diferente para ela.
    Dinny abriu a calça do homem e segurou seu membro rígido. O calor que dele emanava aqueceu suas mãos. Sentiu repulsa ao perceber que o frio iria fazê-la sentir mais dor durante a penetração. Pensava ter perdido a capacidade de lubrificar a vagina há muitos anos, e sempre sangrava no dia seguinte —Isso não era verdade, apenas não sentia prazer com os homens com quem se deitava. Não queria sentir aquilo de novo, mas temia o aconteceria se perguntasse algo. Apanhar não seria um problema, mas para onde ela e seu filho iriam se fossem expulsos da Casa? Os pensamentos conflituosos tiraram sua atenção do ambiente. O homem não gostou da falta de atenção, mas permaneceu calado, a observando. Quando percebeu que ela continuava parada, levantou a mão e a estapeou no rosto. O ar vibrou, levando o som do tapa para lugares distantes. Não havia outro barulho por perto para abafar o som, mas o homem não achou que alguém fosse corajoso o suficiente para se aventurar em um local tão escuro.
   O frio deixou a pele de Dinny dura e inflexível, fazendo o tapa doer mais que o normal. A parte esquerda do seu rosto ardia e vibrava. Não entendeu porque recebera o tapa, porém não era algo incomum o suficiente para se surpreender: muitos lordes e comerciantes ricos faziam com as prostitutas o que não podiam fazer com suas esposas. Tentou passar a mão pelo pescoço do seu cliente, quando percebera que ele o estava virando, provavelmente achando que o barulho chamara a atenção de alguém por perto. Ela acelerou o movimento, virando o rosto a força. Olhou diretamente em seus olhos pela primeira vez em que entraram no beco.
   — Me desculpa, senhor, o frio me deixou lenta. — Ela disse, passando a perna esquerda em volta da cintura do homem. A diferença de altura entre eles dificultou o movimento, por isso ela forçou o peso sobre os ombros dele e se suspendeu ali. Retirando o pé do chão em segurança, ela cruzou a perna em volta do homem e elevou a cabeça acima dos seus ombros.
   Dinny Sentiu um frio na barriga e uma amargura na boca quando viu seu menininho parado atrás dos entulhos, sendo rodeado por baratas e ratos, que provavelmente sentiram o cheiro da comida que ele comeu no jantar, antes de sair da Casa. "Vai embora" ela gesticulou, sem produzir som, mas o garoto não era capaz de entender e tão pouco se moveu. Garotos como ele, ela pensou —enquanto o membro quente e rígido castigava seu interior — não tinham chances em uma cidade como aquela, onde todos o via como o filho bastardo de algum homem bêbado da cidade que gastava o dinheiro restante com mulheres tão sujas quanto eles. Nem todas as crianças bastardas tinham a sorte de ter uma mãe amorosa como Dinny, muitas matavam os filhos ainda dentro da barriga e os mijavam em algum beco imundo dos esgotos da cidade baixa — parte mais ao Sul do local que a Casa se encontra —. Outras mães matavam os bebês depois que nasciam, pois tinham medo do aborto prejudicar os órgãos sexuais, e assim ficarem impossibilitadas de trabalhar. Dinny as entendia, e sentia-se ressentida ao perceber que faria o mesmo se a Casa não aceitasse mulheres com filhos. Toda vez que Claus a lançava seu costumeiro sorriso juvenil, sentia-se profundamente triste com perda que teria se o tivesse abortado ou vendido. Nunca entendeu o porquê da prática incomum e aparentemente exclusiva do local de não abandonar as mulheres grávidas, talvez para manter o fetiche de alguns homens doentes que sentiam prazer em moças naquela condição. Dinny ainda lembrava-se que constantemente fazia programas enquanto grávida de Claus.
   Pensar ajudava Dinny a resistir a dor, principalmente em momento que seu filho corria riscos. Se o homem em quem ela se agarrava fosse um conde importante ou alguém influente, ser visto com uma prostituta seria problemático. Ele certamente mataria o garoto sem pensar duas vezes, não se importando se ele entende ou não o que se passa ali. Ela também poderia ser morta, porém estava subordinada à Casa e sua senhoria.
    Claus permanecia parado no mesmo lugar em que sua mãe o vira antes. Sua única reação anormal se deu quando viu ela ser esbofeteada, movendo algumas madeiras ao redor com o susto. Sempre olhava ela fazendo coisas desse tipo. As mulheres ao seu redor viviam apanhando dos homens, ele já tratava aquilo com naturalidade. As feições de sua mãe sempre estavam pesadas, tristes, porém, ao vê-lo, se irradiava com um sorriso de orelha-a-orelha. Naquele momento ela o olhava, mas o sorriso não acompanhava o olhar.
   Permaneceu parado contemplando o olhar atónito que Dinny o lançava. Sorriu de volta para a mãe, e deu alguns passos para a frente. Assim que percebeu a intenção do garoto, Dinny gritou um “não” seco e desesperado. O homem a deixou cair no chão, produzindo um baque molhado¬¬, olhou para trás assustado e viu o garoto parado, sem reação. A expressão do homem passou de medo a alívio, depois, indiferença. Andou até onde o Claus estava e levantou a mão contra o garoto. Os olhos de Claus se arregalaram, assustado, ele recuou alguns passos.
   — Não, meu filho! Claus, saia daqui. — Disse Dinny, assim que recuperou o fôlego da queda. Ela deu pulou em cima do homem, ele gritou em vão e os dois caíram nos sulcos de água mórbida com fezes de ratos. Claus saiu correndo por entre as ruas de pedra e terra, virou em uma esquina a poucos metros do beco e observou sua mãe lutar contra um homem com o dobro do tamanho dela. Assim que se levantou, o homem segurou Dinny pelo pescoço e a levantou com uma facilidade surpreendente, como se a mulher não tivesse peso. Claus observou as veias sobressalentes do homem saltarem da pele, e seus músculos aumentarem de tamanho enquanto. Ambos estavam molhados e sujos. As roupas de linho do homem, agora espumando de raiva, estava encharcada com água podre do sulco onde caíram. Os dois fediam e o cheiro pareceu irritar ainda mais ele. Seu olhar atravessava Dinny como um raio.
   Ela estava cerca de 10 centímetros do chão, com mãos duras e musculosas envolvendo seu pescoço. Não conseguia mover ou menear a cabeça para olhar onde seu filho estava, sua respiração impossibilitada lhe dava uma sensação de sufocamento. Ela começou a debater-se do tronco para baixo de forma involuntária. Olhou para o seu agressor e vislumbrou um ódio ressentido em sua face. Aquele sufocamento não era para ela, não fizera nada para merecê-lo. Sentiu o sangue inundar sua cabeça e seus sentidos ficarem fracos e confusos, uma tosse involuntária tentou resisti à pressão exercida, o que apenas lhe causou dor e mais espasmos involuntários.
   — Quem era aquele garoto? — A voz dele estava carregada de raiva. Aquela mudança repentina no comportamento dele não era algo comum aos olhos de Dinny, tinha algo errado ali, ela pensou, mas era difícil pensar enquanto estava sendo estrangulada.
   Assim que o homem notou a visão de Dinny se desvanecendo, afrouxou à pressão de suas mãos e a segurou nos braços quando percebeu que ela não poderia se sustentar sozinha. Olhou ao redor procurando o garoto mas não vira nada além de casas feitas de pedras e uma rua a direita que seguia para a área nobre e limpa da cidade, olhou para a esquerda e viu uma rua inclinada descendo para a área comercial, mais adentro o rio Togh que atravessava a cidade, uma ponte, alguns mastros e cordoalhas de embarcações, e na parte pobre da cidade vislumbrou apenas as partes visíveis dos esgotos. Sentiu medo ao perceber o que fizera, se o garoto chamasse algum guarda, mesmo que escapasse, teria um problema em mãos. Entre eles, sua esposa que não aceitaria ser traída, principalmente em uma esquina fétida com uma prostitua. Precisava garantir o silêncio do garoto e da mulher, custe o que custa. Olhou novamente para a mulher tossindo e chorando no chão e pronunciou:
     — Para onde você acha que aquele garoto foi? Não quero machucá-lo, apenas quero me certificar de que nosso encontro não será delatado ao público. — Dinny, ainda apoiando as mãos húmido e tossindo, com os olhos lacrimejando e a garganta doendo, olhou para o homem que a encimava e percebeu como ele era forte, disciplinado e formal. Talvez não fosse apenas um mercador rico ou um bêbado que juntou algumas moedas para conseguir algumas prostituas, esse olhava fixamente em seus olhos, sem remorso, como se não a visse como inferior apenas por vender o próprio corpo.
  — Eu não sei para aonde ele foi. — A tosse agravou a dor em sua garganta, piorando mais ainda ao falar. — Ele é apenas um garoto..., deixe-o em paz. — Voltou a tossir, dessa vez sentiu uma queimação na garganta e perdeu a voz, seu braço cedeu ao peso do corpo e ela caiu no chão. A água suja tocando em seus lábios a fez sentir um gosto ruim de mijo de ratos e fezes. Tossiu novamente, completamente impotente, o que possibilitou que a água entrasse em sua boca. Começou a tossir mais ainda, dessa vez de nojo e dor. As várias informações que recebera de uma vez — dor, inflamação, gosto de dejetos, medo e angústia — lhe fizeram chorar. Ficou deitada no chão enquanto as lágrimas brotavam dos seus olhos, sua garganta estava quase que completamente roxa, inchando mais a cada crise de tosses.
   — Preciso que me diga aonde ele está — O homem pronunciou. Levantou a mulher novamente, dessa vez pelos braços, e a ergueu até a altura dos olhos. — Não quero machucá-la mais, apenas me diga aonde ele está.
   Dinny tentou responder, mas foi inútil, sua voz não saiu e a tentativa apenas a fez voltar a chorar de dor. Estava completamente sem forças, suja e cansada. Ele a soltou novamente no chão, deixando-a encostada na parede, vestindo apenas a parte de cima da roupa. Seu pequeno corpo começou a tremer, não sabia dizer ele se era de frio ou medo. Estava completamente indefesa ali, incapaz de reagir, mas ele não poderia sentir pena, precisava priorizar sua família. Sentia medo de ter suas terras tomadas em um caso de separação por adultério.
   — Não. — A voz de Dinny soou roca e frágil. — Deixe-o, por favor, eu imploro. — Arrastou-se, com dificuldades, para cima do homem que apenas observava. Ela tirou o pênis dele das calças e tentou colocá-lo na boca. — Fica aqui, vamos terminar. — As lágrimas brotavam de seu rosto sem parar.
   Ele a chutou nos peitos, jogando-a contra a parede, olhou-a com nojo e desprezo, quase vomitando diante da cena e do estado da mulher. Ela o olhou ainda assustada e caiu em lágrimas.
   — Por favor, meu filho, meu filho. — Lutou contra a dor em sua garganta, mas sua voz deixou evidente uma rouquidão anormal. — Eu imploro, meu filho. — Seu choro agora estava descontrolado, as lágrimas caíam livremente dos seus olhos. O homem se desvinculou dos braços de Dinny e guardou seu membro na calça. Ela tentou inutilmente se agarrar novamente ao pênis, em uma ilusão frustrada de que aquilo o impediria de ir atrás da criança.
   — ME SOLTA, SUA PORCA! — O homem voltou a empurrá-la contra a parede, dessa vez alterando a voz para um grito raivoso. Olhou ao redor decido, andando em direção a Casa. Percorreu poucos metros quando sentiu algo se agarrando em sua panturrilha. Olhou para o chão atrás de si e viu a mulher deitada e chorando, segurando-se nele. As lágrimas continuaram a brotar do seu rosto como uma cachoeira. A região oposta da cabeça de Dinny estava vermelha de tanto sangue que escorria. Seu pescoço, já completamente roxo, estava túrgido. Ela não parecia se importar com nada daquilo, apenas dizia repetidamente para que ele não fizesse nada com seu filho.
   — Desgruda, imundice! — O homem bateu a sola do sapato contra o rosto de Dinny, indiferente a toda aquela situação. Se irritava com a atitude da mulher por pensar que ele iria machucar a criança. Se ela o deixasse ir, ele apenas o procuraria e garantiria que, caso seu encontro com uma prostitua vazasse, não passaria de uma especulação criada por uma criança. Ele estava sujo e mórbido, suas roupas estavam carregadas de merda, queria apenas apartar toda aquela situação e tomar um banho quente preparado pelos seus empregados. Se arrependeu naquele momento de não ter se deitado com alguma criada, mesmo que sua esposa desconfiasse. Agora estava com um problema bem maior nas mãos do que apenas sua mulher gritando e jogando objetos caros pelo quarto.
   Dinny agora estava no chão chorando, gritando e sangrando. Ela não se movia, estava deitada de bruços no chão de pedras, com a nuca coberta de sangue e cheia de hematomas. Por um momento, ele achou tê-la assassinado, mas sentiu um alivio profundo quando percebeu sua respiração.
   Tentou sua atenção da moça e tentou imaginar para onde uma criança iria depois de todo o ocorrido. Àquela altura já teria contatado alguém, por isso andou em direção a Casa, pensando que, se contasse todo o ocorrido a senhoria, poderia abafar o caso negando a clara tentativa de homicídio e acusando outra pessoa, se preciso. Seja como for, não poderia deixar seu nome mínimo envolvido com aquelas pessoas.
   Assim que virou a esquina, viu o garoto parado na sua frente, pequeno demais para ser percebido antes. O garoto curvava quase que completamente a cabeça para conseguir olhar o agressor de sua mãe. Suas mãos estavam nas costas, os cabelos tapavam uma boa parte dos olhos, criando sombras que deixavam sua face indistinta. O homem olhou ao redor para ver se alguém estava por perto, mas não encontrou evidências de que alguém os observava.
   — Você contou para alguém o que viu? — Não sabia dizer se o Claus estava assustado ou não, por isso tentou não apavorar a criança. — Preciso conversar com você, garoto. Sou um amigo da sua mãe. — Não era bom com crianças e quase nunca conversou com uma, não achou que convencê-las fosse algo difícil.
   Claus permanecia parado. Respondeu com uma voz infantil e ingênua:
   —Não contei, senhor. Onde a mãe tá? — Claus saiu correndo a procura da mãe como sempre fazia quando algum homem saia do quarto dela na Casa. Antes que pudesse vislumbrar a rua que chegava ao beco, o homem que o interrogara passou a mão pela barriga de Claus e o levantou. Suspendeu-o pelo tórax de barriga para baixo e o carregou como se fosse um saco de farinha. O nariz de Claus doía e seus olhos lacrimejavam em protesto ao mal cheiro que as roupas do homem exalavam.
   — Vamos, vou te levar pra casa. Depois a sua mãe vem buscar você. —. Claus se debatia e choramingava.
   — Eu quero ver a mãe. — O garoto tentou virar-se para cima, deixando seus olhos molhados em evidência. O homem se irritou ao ver que o garoto parecia chorar, sentiu vontade de nocauteá-lo com um soco, porém achou melhor cessar a violência do dia.
   Decidiu ignorar o garoto e continuou andando na rua coberta de calcários negros irregulares e areia saindo das protuberâncias entre os vãos. A neblina estava menos intensa agora e o frio ameno. Não tinha ninguém na rua além deles dois e o menor barulho podia ser ouvido. As janelas das casas de andares e pensões estavam fechadas e as lamparinas desligadas, as construções eram de madeira marrom com algumas ligas de sustentação em seu interior, apenas um ou outra destoava das demais, com cores distintas, madeira refinada, ou lojas feitas de pedras e placas chamativas. A maioria tinha algum cômodo sob o chão para se adaptarem ao sistema de esgotos. Por ser uma parte rica e organizada da cidade, poucos vãos existiam entre as construções, diminuindo a chance de alguém vê-los.
   Uma sombra preta se projetou há alguns metros de distância de onde o homem e o garoto estavam, o garoto havia percebido. Seus olhos ainda lacrimejantes devido ao cheiro forte se arregalaram e sua boca projetou um sorriso animado. Antes que pudesse chamar sua mãe, começou a chorar. A voz fina do garoto repercutiu com um grito desesperado de medo, machucando os ouvidos do homem que o carregava. Ele largou Claus no chão, que caiu de com o rosto contra a ponta uma pedra solta. O sangue embaçava sua visão, a dor latente e o choque de ver sua mãe completamente machucada o deixaram em choque. Nunca vira ela daquele jeito antes, queria pedir ajuda para o amigo que o estava carregando, mas não conseguia parar de chorar.
   Todo o pescoço de Dinny doía, sua nuca latejava e seu rosto parecia rachar. Sentia-se cansada e o inchaço do rosto e deixou desnorteada. Andou lentamente até o homem que carregava seu filho como se fosse um animal. O adulto não a percebera, mas Claus a viu. Dinny sentiu prazer em meio a dor ao ver o sorriso do seu filho se projetar ao vê-la, sentiu sua consciência se esvair ao olhar do garoto que sorriu para sua mãe que parecia brincar com ele no escuro. O sorriso de Claus sumiu quase que completamente, dando lugar a um grito de horror. O homem o largou e ela viu seu filho ser lançado contra as pedras no chão. Pela primeira vez em muito tempo viu seu filho sangrar, lembrou-se do seu jeito frágil e curioso que demonstrava enquanto corria entre as casas. Um ódio se incendiou em seu interior, tomando o lugar da dor e do medo que sentia. Não pensou em nada além de seu filho caído e chorando no chão, tendo seu sangue drenado por uma ferida profunda. Avançou contra o homem que segurava os ouvidos e olhava-a estupefato. Seu olhar de horror o impediu de perceber a pedra na mão de Dinny. Ela levantou a arma improvisada, sua altura estava equilibrada com a do alvo, seu olhar determinado e sua raiva vibrante mudaram sua expressão, que hipnotizou o homem e o deixou paralisado e atônito. Não acreditou, por um momento, que aquela mulher pudesse ser Dinny. Lembrou-se do olhar assustado e dos gemidos de dor que ela soltou quando a estava despojando, de sua aparência frágil e do seu corpo débil, essas foram suas últimas lembranças antes de ter seu crânio afundado por um calcário negro manejado por uma mulher furiosa de aparência robusta.

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⏰ Última atualização: Jun 11, 2020 ⏰

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