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                    O tempo abafado não combinava muito com portas e janelas fechadas. Porém, sons externos nunca se encaixariam com a cena.

                    Ele estava ali a horas, trancado no escuro, iluminado somente pela luz da TV velha. Um ventilador soprava lentamente pelo quarto, espalhando um leve frescor artificial, enquanto o som mais alto que poderia se ouvir era o do rádio, que lançava pelo ar a barulheira de uma banda qualquer.

                    Naquela tarde, ele estava dedicado a suprir seus vícios, algo que não era saudável para alguém tão jovem. Já devia estar queimando o terceiro cigarro de cravo, enquanto se estressava com a quinta partida de videogame. Seus dedos trabalhavam tão rápido sobre os botões do controle quanto suas veias pulsavam de ansiedade. Apesar do olhar vidrado e movimentos automáticos, sua mente planava a quilômetros de distância. A quem queria enganar? Inalar fumaça e esmurrar consoles feito um idiota não resolveria seus problemas. Não diminuiria sua confusão, raiva ou intensidade. Apenas o transformaria em uma espécie de fantasma, cismado, fracote e com pulmões em péssimo estado. Ah, como ele adoraria acabar com a situação da sua própria maneira. Adoraria exibir a sua arrogância e ardência em forma de provocações bem feitas. Como adoraria utilizar sua língua afiada para silenciar aquele furacão atrevido e orgulhoso de diferentes formas. Ele queria, e muito, ganhar do tormento que passeava pela sua mente todos os dias.

                    Porém, ele acabara de perder pela quinta vez no dia. Com tantos devaneios e alguns segundos de desfoque, ele se encaminhara para o "game over" em neon do jogo que jogava. Cansado e um tanto irritado, soltou o controle e passou os dedos entre os cabelos escuros. Se deitou com o gosto da pequena derrota e retirou o cigarro dos lábios, soltando a fumaça quente e procurando o sabor doce do cravo. De que adiantaria continuar ali se, enquanto não desse atenção aos próprios pensamentos, nunca avançaria uma fase sequer? Abraçou um travesseiro e soltou uma risadinha irônica. Enquanto não usasse seu genioso cérebro, não avançaria fases nem em jogos eletrônicos e nem no jogo psicológico em que se encontrava. Era assim que ele via aquela situação; estava jogando um jogo novo e intenso, que estava na sua fase favorita. Gostava tanto de joga-lo que não se importava em perder a tal fase vez ou outra, pois assim, se demoraria mais nele.

                    Se revirou no colchão e sorriu, um pouco bobo, pensando na razão de todo aquele dilema. O furacão que visitava os corredores da sua mente; a protagonista (um tanto problemática) de todos aqueles joguinhos. Ela, com cachos vermelhos e altura o suficiente para intimidar de forma sedutora, conseguia tirar qualquer um do sério com sua beleza, intelecto e personalidade forte. Era um pouco "nerd", lia demais e sabia demais. Se vestia com jeans surrados e moletons largos, escondendo as mais belas curvas. Tinha dedos talentosos para guitarra, e, honestamente, uma língua tão talentosa quanto. Ele pensava no quão divertido era importuna-la e em como era difícil tirar as palavras de sua boca. Poderia ficar horas e horas sendo inconveniente, apenas para ver a testa dela se franzir em ironia e poder analisar suas respostas afiadas, de um nível digno. Adorava, em segredo, imaginar seus olhos e movimentos pedindo por mais. Queria, mais que tudo, exercer o sadismo que existia em seus joguinhos provocantes. Esse sim, seria o melhor dos videogames.

                    Ainda deitado, tragou mais uma vez o cigarro que estava pela metade, permitindo a amargura adentrar seu peito. Não era fácil assim ter o que desejava. Sua arrogância em excesso muitas vezes criava brigas de verdade. Seu orgulho, aproveitando o caos, silenciava seus pensamentos culpados e afastava cruelmente quaisquer chances de voltar atrás. Por fim, seu ego não admitiria jamais que um alguém tão genial fosse enganado por algo estúpido como amor. Não. Ele nunca daria a si mesmo a permissão de se apaixonar. Odiava isso com todas as forças que tinha. Amar o deixava confuso, incerto e paranoico. Tirava sem dó toda a sua concentração e racionalidade, e o misto de tudo isso resultava em uma ira sem igual. A raiva contida em si destruía tudo a sua volta, e qualquer um que cruzasse seu caminho provaria de seu doce descontento. Para ele, se apaixonar era um veneno. O veneno do qual seu desejo se afogara. O que ele queria, apenas, era jogar tudo para o alto e incendiar o próprio senso de orgulho. Quando ele deixasse suas idiotices e fraquezas de lado, e quando tivesse coragem o suficiente para ditar um ponto final, então, finalmente, ele poderia segurar forte aquele rostinho bonito e exibir suas intenções com clareza. Ele finalmente poderia chama-la de sua.

                    No mesmo momento em que apagou o cigarro já no fim, ouviu uma trovoada no lado de fora, e se deu conta do quão abafado o ambiente estava. Uma chuva de verão estava vindo. Se esgueirou um pouco na cama e abriu a janela, a fim de deixar o frescor da chuva invadir o quarto. Soltou um suspiro e pegou o controle mais uma vez, dando play, decidido de que, dessa vez, ele ganharia.


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