Selene

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A mata era seca, no chão havia alguns ossos de animais que haviam ido há algum tempo. O ar era denso, a umidade quase inexistente e o calor queimava até os pulmões. Um barulho alto se sucedeu, a jovem olhou para os lados sem saber distinguir de onde exatamente vinha o som que ouvira, logo um vulto passou muito rapidamente dentre a mata, depois se seguiu de outro mais lento. Demorou um tempo até que pudesse perceber do que se tratava, mas logo o vulto - o mais lento - parou e Selene pode perceber o que estava acontecendo: uma caça.  

O rapaz que passara correndo num cavalo atrás de sua presa não parecia ter mais de vinte e cinco anos, seu rosto suava, sua roupa estava encharcada como se tivesse entrado em um riacho há pouco ainda com roupa. Ele olhava para os lados apreensivo, seus olhos eram astutos, sua respiração muito pesada. Estava há alguns poucos metros da garota, mas não parecia notar sua presença, respirava pela boca e muito profundamente. Parecia assustado, olhava para todas as direções com impaciência, Selene o observava atentamente, sua pele era bronzeada, seus cabelos eram ruivos e encaracolados, mas seus olhos eram terrivelmente sombrios; quase completamente negros. Um som alto fez o coração da jovem saltar repentinamente, o rapaz descera do cavalo e continuava a olhar para todas as direções, agora muito mais apreensivo, esperando saber a origem do ruído.  

Um sentimento que ela não podia entender possuiu Selene, era uma mistura de terror com satisfação. O rapaz olhou para ela fixamente - ao menos parecia ser para ela mas estava mais como olhar através dela - seu olhar era de desespero profundo. Selene não entendia muito bem, porém uma onda de calor atravessou seu corpo, mal conseguia respirar, suava muito.  Sentia uma presença atrás de si como um mau agouro, um presságio de morte, mas não conseguia se virar, era como se seu corpo tivesse congelado, seu joelho começou a ceder e sua visão ficou turva. Estava cada vez mais ofegante, seu peito doía pela falta de ar. Ajoelhada no chão a última coisa que viu foi um vulto em frente ao rapaz que havia se aproximado muito rapidamente- uma imagem borrada, mas ainda assim assustadora, então, com um estalo no chão o rapaz caiu, o vulto se virou e veio em sua direção e então tudo se apagou.  

 — Senhorita Cortez — disse uma voz entre batidas na porta. — Senhorita Cortez, posso entrar? 

 As batidas trouxeram a garota de volta a realidade como um puxão de orelha. Parecia tê-la sugado do pesadelo que tivera. Olhou para o lençol, estava com pequenas marcas de sangue, uma situação já familiar, acostumara-se a arranhar suas próprias mãos durante os pesadelos - o que, recentemente, tornara-se cada vez mais frequente. O travesseiro estava molhado de suor e sua respiração ainda era ofegante. Houve outra batida na porta. 

— Entre, Malvina. — disse a garota antes da empregada pedir permissão outra vez. 

Malvina tinha a pele clara mas amarelada, olheiras profundas embaixo dos olhos, rugas que indicavam a idade avançada, porém trazia um sorriso acolhedor consigo. Sempre cuidou da jovem garota como uma filha, essa que nunca tratou Malvina como inferior a ela. Raro entre as pessoas em sua posição. Malvina entrou às pressas no quarto, em mãos trazia uma bandeja com chá e biscoitos. Quase instintivamente olhou para as mãos da garota, não parecia surpresa mas ao ver as mãos arranhados uma expressão de tristeza de formou em seu olhar. Ainda as pressas, deixou a bandeja em cima do criado mudo e pegou uma pequena caixa que ficava aos pés da cama e se sentou ao lado da menina e começou a fazer curativos. Nenhuma das duas falou nada por um tempo. 

— Outro pesadelo? — perguntou Malvina, muito séria, quebrando o silêncio. 

— É sempre o mesmo. — disse a garota secamente, sem parecer ter intenção de falar sobre o sonho. 

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