Pra ser sincero

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Olá! Este conto foi inspirado na música " pra ser sincero" da banda Engenheiros do Hawaii e não visa a nenhum tipo de fim lucrativo. Não é necessário escutar a música para o entendimento do conto, mas deixei-a disponível acima.

Boa leitura!

LEIAM AS NOTAS FINAIS, POR FAVOR
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Eu não espero que algum dia ela me perdoe. Em uma noite fria de julho, perdi meu emprego e, junto com ele, todas as minhas expectativas profissionais que planejei para meu futuro. Ao chegar no sobrado onde morávamos, subi as escadas, cambaleando, essa sendo apenas uma das evidências de que passei as últimas horas bebendo no barzinho da esquina, o cheiro forte de álcool emanava de meu corpo como se fosse minha própria essência.

Abri a porta e deparei-me com minha noiva, seus olhos brilharam de alegria quando me viram. Em mim, entretanto, não houve o mesmo efeito, pois meu coração já estava tão consumido pelo ódio, a dor e a sensação de fracasso que não houve espaço para o amor que sentia por aquela mulher.

O sangue ferveu em minhas veias, e perdi o controle dos meus atos já que no momento, só desejava descontar a frustração em algo. E, lá estava ela, o amor de minha vida, bem na minha frente. O primeiro golpe foi surdo, insuficiente, o segundo; insignificante. À cada batida, crescia minha vontade de ralar os nós dos dedos, de causar dor e de senti-la também, ofuscando as lembranças de meus sonhos despedaçados. O que me trouxe de volta a lucidez foram os gritos, depois o sangue, as súplicas e um choro fraco e trêmulo que quase não se podia ouvir. Fiquei estático, arfante e incrédulo.

Ana estava encolhida no chão aos soluços, seus lábios que em dias  melhores, tanto beijei, estavam cortados, assim como sua sobrancelha direita, fazendo com que um filete de sangue rubro escorresse por seus olhos azuis. Em um ímpeto de coragem, ela impulsionou seus braços, que já demonstravam as marcas de minha monstruosidade, levantando-se e correndo, trépida e cambaleante, porta afora para longe de mim, longe do lar que um dia prometemos abrigar nossa paixão.

Nos meses seguintes, minha vida transformou-se em pura miséria, continuei desempregado, gastei quase todo meu dinheiro em bares e não tinha ninguém com quem conversar, muito menos alguém que me amasse. Estava largado ao mundo com um característico cheiro de pinga, que até eu mesmo admitia ser repulsivo, impregnado em minhas roupas gastas e puídas. Mas, o que eu esperava após ter vendido a alma ao diabo e perdido a calma daquela maneira? Afinal, não existe crime sem castigo, seja a  punição judicial ou espiritual.

Junto a minha desgraça, veio a dor da perda, pois perdi minha amada, ela, agora, não passa de uma vaga lembrança de que outrora, nossos defeitos eram os mesmos e sabíamos tudo a nosso respeito. Pra ser sincero, arrependo-me e não espero que um dia eu vá ser perdoado, perdi esse direito também. Talvez, se nos reencontrarmos, poderei ser tratado com educação por parte de Ana, entretanto nem isso ainda mereço.

Era uma sexta-feira, e estava saindo sozinho, como sempre, do bar da esquina, principal local de minha rotina, quando trombei com uma moça, seus cabelos eram morenos e tão conhecidos por mim como se fossem os meus próprios. Era ela. Não esperava um encontro casual entre nós, pra ser sincero, achei que nunca mais veria as profundezas do mar azul que são seus olhos.

Ao me ver, seu semblante sereno e jovial mudou para tenso e aflito. Seu corpo, instintivamente, retraiu-se, e ela deu um passo para trás, deixando evidente sua inquietação. Tais pequenos gestos acabaram ainda mais comigo. Bem, eu não esperava que ela mentisse e conseguisse enganar seus próprios sentimentos e temores, porém não pude deixar de desejar que pudesse me desculpar e lembrar-se de nosso amor com o selar de nossos lábios. Contudo, será que vale a pena um beijo sem paixão?

- Ana, me perdoe, eu me arrependo muito pelo acontecido e queria dizer que ainda te amo, sei que o que fiz é imperdoável, porém sou um miserável sem ti. Volta para mim, por favor! - Implorei, atrapalhando-me com as palavras na tentativa de justificar meus atos bárbaros.

- Não, Rodrigo, não posso me esquecer do que aconteceu, lembranças ruins não evaporam como água. Mas, ambos somos suspeitos deste crime, tu como praticante e eu por ter te deixado cair nesta perdição, por meu amor não ter sido suficiente para te salvar. Porém, não devo e nem consigo voltar a amá-lo. Quem ama, cuida, Rodrigo, e tu não cuidaste de mim.

- Por que não me denunciaste?

- Pois, este é um crime perfeito, e crimes perfeitos não deixam suspeitos. - Então, foi quando entendi que deveria desistir dela. Ana era boa demais, tão ingênua que se culpou pelo abuso que sofreu. Ela não mereceu isso, nenhuma mulher merece, e eu não tinha o direito de pedir perdão. Sou o culpado, o impuro e corrompido, por isso percebi que deveria me afastar, essa seja, talvez, a única atitude decente que terei na vida. Deixarei Ana ser feliz, algo que não consegui proporcionar a ela.

Percebi que fora tudo um falso amor. Ana cuidou de mim, esforçou-se por nós e deu-me carinho e amor todos os dias em que passamos juntos, mas eu, fraco como sou, mantive-a por perto, sugando sua devoção e boa vontade sem reciprocidade, pois era a única pessoa que me restara, mas nem mesmo ela ainda me ama, portanto preciso manter distância para que, enfim, ela tenha paz em sua vida. Não tenho mais a companhia de Ana, nem de nenhuma das outras que ainda escondem, sob os casacos, as marcas em seus pulsos de um passado brutal ao meu lado. É engraçado como só percebemos o quão tóxicos somos quando ficamos sozinhos na vida.

Enquanto refletia sobre sua fala, ela se virou e afastou-se um tanto apressada, pondo um fim à nossa breve conversa. Fiquei observando a moça ir embora, porém não a segui, nem implorei para que voltasse e me amasse, apenas deixei-a ir para onde sabia que nossos caminhos não mais se cruzariam. E após um arquejo, disse para mim mesmo:

- Prazer em vê-la, minha amiga.
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IMPORTANTE!

Chegamos ao fim! Bem, lembrando mais uma vez de que eu não apoio, ou glorifique qualquer forma de violência, muito menos violência doméstica contra a mulher, pelo contrário, ABOMINO e condeno tanto o ato quanto quem o pratica!

O intuinto da narrativa foi apenas representar o lado de alguém que só percebe os males que comete após ficar sozinho na vida. Além disso, Ana não o denunciou, porque achou que fosse culpa dela tal abuso. Parece estranho este raciocínio, porém muitas mulheres realmente se sentem  culpadas quando violentadas. Mas, fique claro que culpa elas NÃO têm, ninguém quer ser vítma de violência.

Por fim, peço que denunciem casos de abuso e violência, só assim serão combatidas tais atrocidades!

Espero que eu não tenha ofendido ninguém, e que vocês tenham gostado.

Abraço! <3

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