É 13 de Junho e a neve não para de cair, o que seria normal se não estivéssemos no Hemisfério Sul. Olhamos para fora e tudo que vemos são os flocos de neve levemente caindo sobre o asfalto que agora é coberto com um branco semelhante ao das nuvens; todos os seus vizinhos se encontram em casa, não ousam sair e arriscar a sorte no frio jamais sentido nessa parte do Planeta. É bem verdade que quando começou essa onda de neve, as pessoas adoraram-na, mas logo entenderam o porquê das pessoas que vivem em países tradicionalmente mais frios não serem tão fãs da neve-pelo mesmo motivo que nós de países chuvosos não somos fãs da chuva.
A estranheza muda as rotinas, realidades e o conceito do que é normal. Não há ninguém nas ruas e é 13 de Junho, as senhoras às janelas não têm mais motivo para olhar para fora pois fora não há nada. É como tudo que existisse fora das casas, de um dia para o outro, tivesse morrido, e morrendo, aquilo que é alheio também morre.
13 de Junho e o Hemisfério Sul se transformou em um mundo Solipsístico onde existem vários Eus, mas nenhum outro. Eu não sei o que o branco representa, mas se tivesse que chutar, eu diria que é a ausência de todas as coisas; talvez seja por isso que a neve seja branca, porque ela simboliza o nada, e em 13 de Junho nós vivemos no vácuo, pelo vácuo, para o vácuo.
Mas para que entendam essa história nos é necessário voltar ao início, para quando tudo começou, para antes do Eu, antes da neve. Era 13 de Março e o sol pairava alto e radiava forte como sempre. Não havia nada de anormal no Hemisfério Sul; as donas aposentadas estavam às janelas olhando as pessoas transitarem pelo asfalto escaldante, pelo calor que embaçava a vista de todos -o calor do Sul.
Na vizinhança vive um menino, filho do Juiz, que vive nas ruas causando problemas e irritando as outras crianças porque elas não são que nem ele. O caso clássico do esnobe mirim que vive atrás do sucesso do pai; as mulheres que o observam falam mal dele e falam alto, de janela a janela, de ponta a ponta, para que quem passe pelo asfalto ouvisse as más-línguas sobre Filho do Juiz. Ele não ligava, se tinha uma coisa que gostava era de ouvir seu nome sendo clamado por pessoas que não era tão boas quanto ele, pessoas que não eram filhas de Juízes, o agradava que aquelas donas odiassem a sua pessoa porque ele odiava as delas.
O Filho do Juiz sempre conheceu o seu Eu, mesmo antes da neve. O menino nunca pensara em outras pessoas, ou em fazer o bem, ou até considerava que poderia estar prejudicando os menos favorecidos. Era como se ele fosse a personificação da neve que havia de vir no futuro. Era certeiro que só as suas vontades existiam e que prevaleciam as vontades de segundos e de terceiros. Pensando nisso, talvez se tenha a ideia errada de que ele gostou da vinda da neve por ser moldado a maneira dela, mas devo dizer que não, a neve mudou a todos, matando Eus e os criando a sua vontade. Em 13 de Junho, o filho do Juiz ganhava um nome, uma identidade, um propósito de vida.
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13 de Junho
General FictionO Hemisfério Sul de repente se ve coberto por neve e isso vai alterar a vida das pessoas ali presentes para sempre