Feridas de um passado triste

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Em uma tarde bem agradável, onde o vento balançava as folhas das arvores, os pássaros cantavam... estava um friozinho muito bom e os poucos raios de sol esquentavam a pele de uma senhorinha que estava sentada na varanda de sua casa, admirando a paisagem e esperando sua neta chegar.
Todos os dias ela fazia a mesma coisa, ela se sentia bem olhando a paisagem e esperando sua neta com um sorriso no rosto, mas nesse Dia, algo diferente aconteceu, ela avistou sua neta de longe com um semblante triste e logo se preocupou, pois era muito difícil vê-la assim.
Ao chegar perto de sua avó, ela tentou ser forte, tentou esconder o que estava sentindo, mas não conseguiu e começou a chorar. A avó logo a abraçou e esperou ela ficar calma e perguntou:
- O que aconteceu minha filha?
A neta com um olhar triste e enxugando as lagrimas, disse:
- Não aguento mais o meu trabalho. Não é nem pelo que eu faço, mais sim pelo jeito que me tratam. Eu não sei mais quanto tempo eu vou aguentar.
A senhorinha ficou quieta durante um tempo e perguntou:
- Você está sofrendo perseguições no trabalho?
- Sim. E eu não sei mais o que fazer. Já falei com os meus supervisores, mas eles também me perseguem. Todos os dias eu penso em me matar, de acabar com minha vida. Parece que minha vida vai ter mais sentido se eu fizer isso, e assim, vou faze-los mais felizes.
Como a vó já tinha experiência com esse tipo de atitudes, ela pensou rapidamente e respondeu:
- Minha filha! Eu entendo o pelo que você está passando! Existem muitas pessoas ruins nesse mundo, pessoas que só querem ver o mal das outras, pessoas que sugam todas as nossas energias... enfim, muitas pessoas que gostam de ver as outras pessoas tristes. Mais o que está acontecendo de fato?
Anda chorosa a neta responde:
- Já tem um tempo que eu tenho recebido alguns “rótulos” dos meus colegas de trabalho...
A avó a interrompeu e perguntou:
- Quais rótulos?
- Uns rótulos ofensivos com “Gorda, Macaca, CDF, Vaca, Horrorosa” e muitos outros que eu nem consigo falar por serem muito ofensivos. Eles não param de falar que preto não merece estar lá, que eu nunca vou ser ninguém, que eu não vou ter nada na vida, me perguntam com quem eu tive que ficar para conseguir aquele cargo.
A vó se entristeceu com tudo aquilo que a neta estava falando, mais continuou a ouvi-la.
- Não sinto nenhuma vontade de sair de casa e ir para aquele lugar nojento onde as pessoas não tem amor uma pelas outras. Eu sei que eu não vivi muita coisa ainda, pois só tenho 23 anos, mais em toda minha miserável vida, eu nunca passei por algo assim, chega a ser pior do que tudo que passei na escola, que eu pensava que era o buraco  mais fundo e sujo que poderia existir, mas comecei a perceber que o ambiente corporativo é um lugar pior, porém, não são todas pessoas que são ruins, como na escola também não era. Eu realmente não sei o que fazer, estou desesperada. Eu sempre achei que fiz o melhor, sempre tentei fazer além do que era me proposto a fazer, sempre tentava pensar fora da caixa, isso agradou as pessoas certas e por isso fui efetivada, sendo que ao mesmo tempo que agradou a muitos, desagradou a muitos que estavam a mais tempo na empresa e tinham cargos superiores ao meu. Eles tinham e tem medo de eu superar eles, pôs no pouco tempo que estou na empresa, já fui muito elogiada pelas coisas que eu fiz, muitos desses elogios era por conta de proatividade.
Eu me sinto um lixo. Estou ficando cansada de ter que ficar fingindo que estou feliz, fingindo não me importar com as coisas que eu ouço todos os dias, de sempre ouvir piadinhas, receber fotos ofensivas... outro dia eles levaram um pedaço de madeira e colocaram no meio da sala e falaram que se eu fizesse alguma besteira, seria colocada ali. Eu sai correndo para o banheiro e comecei a chorar, enquanto muitas pessoas riam como se estivessem em um stand up...
Nesse momento, a jovem menina não conseguia mais falar, ela começou a chorar e não conseguia mais parar. A vó dela tentou conter suas lágrimas e mais não conseguiu, ela tentava acalmar a neta acariciando a cabeça dela.
Foi quando a senhorinha começou a fazer trança no cabelo da neta e começou a contar uma história para ela:
- A mais de 50 anos atrás, eu passei por uma situação um pouco parecida com a sua, eu era um pouco mais nova que você, deveria ter os meus 16 anos de idade. Naquela época, nem todos tinham o privilegio de estudar, o acesso a escola era muito ruim, quando conseguíamos, andávamos horas para conseguir chegar na escola.
Enfim, desde meus 14 anos eu já trabalhava, eu ajudava minha mãe a cuidar de uma fazenda e quando completei os meus 16 anos, eu comecei a ir para a cidade a procura de emprego. Era muito difícil uma menina negra e sem estudos conseguir um bom trabalho e com uma remuneração boa. Depois de dias indo para a cidade, eu consegui uma vaga como faxineira de uma casa, como era muito longe da minha casa, eu comecei a passar a semana no trabalho e os fins de semana.
No começo era tudo muito bom, eles me tratavam muito bem, eles me travam como se eu fosse uma “filha” deles. Foi um período muito difícil para mim, pois nunca tinha ficado longe de casa, a adaptação no novo local foi bem difícil, mais consegui me adaptar.
Mais ou menos 6 meses depois, os meus patrões foram mostrando quem realmente eram, pessoas preconceituosas, racistas... eu comecei a ser culpada por tudo o que sumia ou que eles escondiam para poderem me incriminar.
Na época, não tinha muitas leis ou órgãos que nos protegiam dessas atitudes, ou se existiam, não tinha ciência, porque não tinha estudo, e era considerada uma pessoa ignorante.
A cada dia que passava, eu me sentia mal pela situação desagradável. Por muito tempo tentei agir normal, mas tudo aquilo me corroía por dentro. Trabalhei lá por mais 3 anos, e a cada dia que passava eu me sentia mais reprimida, por conta das ofensas e pelos tratamentos. Naquela época, a depressão, ansiedade e outras doenças mentais, eram tratadas como frescura, e eu me senti depressiva.
Foram momentos muito ruins na minha vida, todos os dias eu pensava em tirar minha vida, já não tinha mais forcas para levantar e fazer o meu trabalho. Eu já não era mais uma menina esforçada, carinhosa, atenciosa e sorridente. Eu era a pior versão de mim, as pessoas ao meu redor perceberam uma grande diferença em meu comportamento, pois além de sofrer preconceito, ainda fui abusada pelo meu patrão, e durante anos eu sentia raiva de homens pelo que meu patrão tinha feito comigo.
Enfim. Naquela época foi muito difícil reivindicar os meus direitos, pois não tinha como provar o que estava acontecendo comigo, e na maior parte das vezes as pessoas que tinham dinheiro tinham “mais privilégios” por conta de poder “comprar” as pessoas.
Nesse momento, a neta levanta a cabeça, tenta enxugar suas lagrimas e pergunta:
- Como a senhora conseguiu” virar o jogo”?
A senhora não conseguiu conter as emoções e com as lagrimas rolando pelo seu rosto desse assim para sua querida neta:
- Minha filha, até hoje eu sofro as consequências de tudo o que aconteceu comigo no passado. tudo o que aconteceu comigo, deixou feridas profundas que até hoje não cicatrizaram. Naquela época, a única coisa que consegui fazer foi sair a força do emprego. Eu aturei tudo aquilo por um bom tempo porque minha família precisava muito...
A neta à interrompeu com um abraço bem forte enquanto fazia carinho na avó enquanto ela estava apoiada em seu ombro.
Durante um tempo, só se ouvia o choro bem baixinho da senhorinha enquanto a neta tentava acalma-la. Um tempo se passou, e a senhorinha foi cessando o choro. Enquanto a sua neta enxugava suas lagrimas, ela continuou dizendo:
- Eu sei que pode estar sendo meio chato, mas essas coisas que aconteceram comigo, foram as piores coisas que aconteceram na minha vida. Eu não desejo isso para ninguém, e fico muito triste quando isso acontece. Eu sei que existem pessoas assim em todo o mundo, mais não devemos abaixar nossas cabeças para as pessoas montarem em cima de nós.
Devemos lutar pelos nossos direitos, mais lutar com consciência e dentro da lei. Naquela época, eu deixei passar, mais mesmo que eu lutasse contra, as marcas profundas iriam me seguir ate hoje, como ainda estão comigo.
Hoje, podemos mostrar que somos diferentes, que não somos quem eles acham que somos.
Minha filha, vamos juntar o máximo de provas possíveis e denunciar as pessoas certas. Vamos fazer tudo como manda a lei.
Alguns meses se passaram depois da conversa com a sua vó, a menina começou a ir em busca dos seus direitos, e fez a denúncia. Quando ela conseguiu bastante provas, ela entregou as autoridades de deixou com que eles fizessem o trabalho deles.
Algumas das pessoas que a tratavam mal, foram presas por assedio, e as outras tiveram que pagar uma indenização por danos moras.
Após se passarem 10 anos, ela continua nessa mesma empresa com um dos maiores cargos. Nunca deixou de se esforçar para alcançar os seus direitos e seus objetivos. A queria vó dela faleceu, mas deixou um grande exemplo para ela, nunca se renda e nem abaixe a cabeça parra pessoas preconceituosas e invejosas, pois querem fazer com que você fracasse do mesmo jeito que ela fracassou.

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