Sapatos, sapatos, sapatos

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          Alda Lúcia foi à loja de sapatos femininos mais requisitada da cidade. Ela foi com o objetivo de apenas dar uma olhada, pois estava com muitas contas para pagar. Ao entrar, viu que havia um número alto de mulheres. "Como eu só vou dar uma boa olhadinha não vai ter problemas", pensou Alda.

          Sapatos, tamancos, sandálias... Tinha de tudo. O melhor era que toda a loja estava com 50% de desconto. Alda viu um tamanco amarelo e ficou deslumbrada. "Não, com esse precinho eu não poderia deixar de levar", pensou Alda Lúcia animada. Do outro lado da loja um grito ecoou assustando vendedoras e clientes. " ESTE É MEU!", gritava uma mulher alucinada brandindo um salto alto nas mãos. "EU PEGUEI PRIMEIRO, MISERÁVEL!", gritou outra mulher tão alucinada quanto a primeira com o salto alto que completava o par. "Nossa, que povo sem classe. Fazer baixaria por causa de um mísero salto alto? Ainda bem que não dou tanto valor a essas coisas materiais.", pensou Alda, e pegou o seu tamanco amarelo. Percebeu, assustada, que só havia um dos calçados.

          __Moça, eu já vou levar este. Você poderia devolvê-lo pra mim? __ Disse uma senhora com o outro calçado reluzindo em amarelo em sua mão.

          __ Devolva o meu calçado agora! __ Disse Alda Lúcia já sem pensar direito.

          O que aconteceu a seguir não levou mais de alguns minutos, mas foi como uma eternidade de sangue e terror. As mulheres começaram a ver que várias delas estavam apenas com um calçado nas mãos, ou seja, duas ou mais queriam o mesmo par. O primeiro esguicho de sangue brotou da cabeça de uma mulher quando uma jovem enfiou um salto agulha na parte de trás da sua cabeça. Como um zumbi, esta caiu com os olhos abertos e uma poça de sangue logo surgiu no chão. Isso foi como um vírus que se espalhou rapidamente. As mulheres começaram a lutar entre si. As armas? Tamancos, saltos agulha, chineladas na cara e as unhas. Algumas usavam cintos que estavam em promoção para enforcar as outras. A gritaria atraiu pessoas da rua, que ficaram olhando da vitrine para a atrocidade que acontecia dentro da loja. Os celulares filmando tudo, muitas lives foram iniciadas e todos queriam capturar a maior quantidade de selvageria possível.

          As vendedoras tentavam bloquear a única saída da loja, uma porta automática de vidro. Algumas delas foram mortas enquanto outras pegavam pistolas e escopetas no balcão do caixa. Os tiros ecoaram, mas os gritos eram mais fortes e estridentes.

          Alda Lúcia se mostrou uma boa lutadora e assassina quando, com um tamanco amarelo, perfurou o olho da senhora que estava com o outro. Antes que a velha caísse no chão, Alda pegara o outro que completava seu par. Com as duas armas em mãos, rasgou brutalmente as barrigas de duas mulheres que vinham tentar pegar seus tesouros. As vísceras e o sangue jorraram por cima dela e das pessoas que estavam próximas, mas ninguém se importou. O que importava ali eram os sapatos e nada mais. A vida não importava...

          Na entrada da loja, já com as portas quebradas, Alda teve outro desafio: passar pela gerente com uma escopeta na mão.

          __ Devolva os tamancos, sua desgraçada infernal. __ Disse a gerente ensanguentada. __ Isso custa dinheiro. Se for preciso eu estouro a sua cabeça pra pegar a mercadoria!

          __ Venha pegar. __ Disse Alda toda ensanguentada.

          A gerente atirou quando Alda, com uma velocidade incrível atirou o tamanco amarelo, o qual acertou, com a parte do salto fino, mas não como um agulha, na testa da gerente. O tiro arrancou parte do ombro esquerdo de Alda, mas mesmo assim, esta correu, pegou o tamanco cravado na testa da miserável e saiu da loja. 

          A vitrine já não existia mais pois várias mulheres pularam quebrando o vidro. Elas saiam gritando pela rua descalças, mas com sapatos nas mãos. Algumas foram alvejadas pelas costas com tiros de espingarda, as vendedoras que ainda estavam vivas não podiam permitir tamanha ousadia.  Várias jaziam mortas na rua e dezenas dentro da loja, onde ainda havia vestígios de luta e tiros. Alda se afastou, ao dobrar uma esquina e respirar um pouco conseguiu perceber em que estado se encontrava: as roupas rasgadas, o ombro literalmente em pedaços, sangue de outras mulheres pingava por todo o seu corpo arranhado e perfurado, mas ela saíra da loja com a mercadoria que fez seu coração dar saltos de alegria. Calçou seus tamancos vermelhos, sim, os bonitos tamancos amarelos agora estavam banhados em sangue e Alda Lúcia achou que o vermelho combinava mais com ela.

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