❢Prelúdio❢

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19 de Junho de 1982

-Ao som do meu disco novo dos Bee Gees e com um desejo inédito por escrever isso que vem tanto me cantando e chamando às palavras. Estes próximos parágrafos que estão prestes a ler, não passarão de uma página cor-de-rosa  cintilante que cheira a chiclete de morango do diário de uma adolescente comum, mas tentarei fazê-los da melhor maneira possível.

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Minha família mora nessa mesma casa desde quando mamãe era menina e ouvia a narração de novelas que passavam numa rádio qualquer, provavelmente ao pôr-do-sol de toda quinta-feira; desde quando Jimi Hendrix se tornou o rei do rock e os garotos andavam por aí de blue jeans e jaquetas de couro, o cabelo entupido de brilhantina; discos dos Rolling Stones, motocicletas e cigarros baratos recém-fabricados no Brasil, eram o que despertava nesse cenário a essência exata do que se via naqueles filmes genéricos do Randal Kleiser, que passavam na sessão da tarde umas quatro vezes por semana durante o verão.

Mamãe sempre foi a escritora mais devota que já vi em toda a vida, me apresentou as palavras da sua singularidade poética como que me tirando pra uma dança, pra que eu bailasse nelas mesmo sentindo que nunca iria pertencê-las, de fato eram apenas um perfume caro que eu gostava de experimentar, com aroma açucarado de baunilha, memória emprestada, feito os pijaminhas acetinados que mamãe usou quando tinha a minha idade, passou para mim e eu um dia, passarei à minha filha;  trata-se de algo vento e passageiro: estaria no meu corpo durante esse "breve momento da adolescência", como diria vovô Francisco, e logo habitaria em outra dança, e sem ter desbotado, faria parte de outra vida. Nesse sentido podemos dizer que as palavras da minha mãe eram como pijaminhas acetinados e leves: justas demais para serem só minhas por completo, mas com a proporção certa para serem passadas a diante.
Ela sempre compartilhara sua vida comigo sem desperdiçar os detalhes mais viscerais de sua infância e adolescência, e entregando à mim como se fossem nuvem, ela tornava o romance latejante em algo mais leve, entretanto sem deixar de ser épico, a fim de que fosse contado a noite, pra que fertilizasse minha mente de criança e eu tivesse sonhos doces, confundindo minha própria mãe com um conto de fadas, com uma princesa aventureira, a garota que eu sempre quis ser mas não seria. Ela me mostrara seu diário que contava sobre suas aventuras de menina que jurou juventude eterna - e de fato não faltava com sua promessa um dia sequer- sobre suas fugas pras festas com a turma do bairro, sobre ser a rainha da discoteca mais jovem e doce com apenas dezessete anos quando conheceu papai, numa lanchonete qualquer, se amaram escondido e os dois planejaram sem nenhum centavo trocado, viajar o Brasil afora até achar uma ilha deserta, adotar o mar e dar nome de estrela àquele paraíso particular que nunca tiveram senão em versos que ela escrevia, e que papai pintava em todas essas telas que temos espalhadas pelos cantos de casa, a mesma areia aveludada e dourada, o mesmo mar azul-Alice e suas ondas de espuma branca brilhante se via também nos quadros deixados porão; eles eram fissurados nesse sonho bonito, e isso cintilou nos meus olhos a vida toda.

Não estou prestes a lhe contar um romance como o Grande Gatsby ou capítulos de um clássico do amor impossível; essa não é uma história baseada no que eu ouvi de um poeta renomado, tampouco uma aventura que vivi e ninguém acreditaria, até porque minha vida não é nada extraordinária e eu sou só uma garota latina-americana de dezesseis anos que sempre morou na mesma rua, sem parentes importantes e herdeira de nada em particular; vou pra escola todos os dias, tenho uma amiga que mora apenas cinco quadras de mim, escuto bons discos e gosto de café com leite. Pretendo levar uma vida simples e por isso, acredito que sendo esse o primeiro artigo -se é que posso chamá-lo assim- que escrevo, não será publicado, alcançado ou lido por muitos, eventualmente não se tornará um livro que você vai, numa banquinha de jornal qualquer que se vê da saída da estação Ana Rosa, achar misturado a tragédias shakespearianas e poemas da Cecília ou do Vinícius.

Este livro, mais uma vez, não tem intenção alguma de revolucionar a literatura, e sendo bem sincera, acho que essa arte de escrever não seja tão minha quanto foi pra minha mãe, mas de qualquer forma, esse é apenas um breve texto argumentativo (ou utópico, não sei bem) sobre o garoto que mamãe mencionou mil e uma noites nas histórias que contava pra eu dormir, sendo ele sempre uma personalidade inédita, pois nem ela na vida real conheceu quem ele realmente era e então, pensou nele como uma aventura a se descobrir e um mistério simples que ninguém desvendou.
Essa é uma narração sobre o menino que um dia morou na casa vizinha, a do portão azul e paredes amarelo-ocre, o garoto que ninguém nunca se deu ao luxo de entender, sobre alguns boatos que "deslouvaram" seu nome, e sobre o que talvez tenha sido seu romance adolescente.

Este é um comentário a respeito de Jeon.

❛Honey Boy!❜-Um Comentário a Respeito de Jeon 🌻🍯 ❴ONESHOT❵Onde histórias criam vida. Descubra agora