A curiosidade mata

31 0 0
                                    


- Duvido que você tenha coragem – disse Marcelo para Ivan que era quem segurava a bomba na mão.

Ivan olhou para o explosivo e depois para frente, onde ficava o galinheiro abandonado. Lá dentro os frangos e galinhas continuavam seus ciscares ignorando o fato de que o dono estava sendo enterrado em algum lugar no cemitério da cidade naquele momento.

- Sabia que você iria amarelar quando chegasse a hora – continuou Marcelo instigando o amigo.

- É claro que eu tenho coragem, mas você fica falando e falando e não me deixa me concentrar – respondeu Ivan tentando não demonstrar a insegurança que o afetava.

Ivan sentia o corpo tremer e não sabia como fazer aquilo parar. Realmente não tinha medo do que ia fazer, mas de algum modo aquilo o afetava; o não saber o que iria acontecer.

Acendeu o fósforo e aproximou o fogo do explosivo. Um vento ligeiro passou e assoprou a chama fazendo-a se tornar pequena e quase apagar, mas que depois voltou a queimar e se alimentar da madeira do palito, lambendo assim o material do pavio.

O garoto ficou ainda por instantes segurando o explosivo nas mãos, deixando aquele chiar inundar seus ouvidos e fazendo com que o corajoso Marcelo tremesse e temesse pelo o que poderia acontecer se o amigo não largasse logo a bombinha.

Súbito, Ivan a lançou para o meio dos galináceos.

Todos aqueles seres não repararam no novo objeto que fazia parte do seu cercado, mas sentiram quando ele explodiu. Algumas se assustaram, outras foram lançadas para os lados enquanto outras ainda voaram por alguns instantes; dando significado as asas que tinham.

Ivan sentia o coração bater nas mãos e Marcelo engoliu saliva para umidificar a garganta, tamanho era seu espanto.

- O que fazemos agora? – perguntou Ivan, mas não queria que nada fosse dito. A partir daquele momento ele se tornara maior do que o amigo e ele deveria ter as respostas para tudo que fosse.

Pouco tempo depois, coisa não mais do que minutos, os animais já não lembravam do que havia acontecido, diminuíram o cacarejar e voltaram ao seu habitual balançar de cabeça e ciscar de pés. Então os garotos puderam ver o resultado daquela experiência onde, no meio do terreno cercado, uma das galinhas não se mexia. Estava largada de modo tão estranho que não poderia estar viva. Ivan sentiu o gosto de ser o detentor da morte. Uma mistura de horror e poder inflamou o seu ser. Marcelo também fitava o animal morto, o qual era ignorado por seus semelhantes.

Os meninos se olharam e correram para suas casas. O plano era saber como as galinhas reagiriam a uma bomba, não em matar um daqueles seres. E antes que alguém aparecesse para lhes cobrar o preço da morte daquela galinha, fugiram como se suas vidas dependessem daquilo.

Fora Ivan o assassino, mas Marcelo era seu cúmplice em crime e ambos carregavam a culpa daquela vida perdida.

E como todo assassino faz, voltaram para a cena do crime um tempo depois. Tempo suficiente para alguém ter tirado o animal morto de dentro do cercado, pensavam eles, mas se enganaram. Quando chegaram ao galinheiro lá estava ela, a galinha, a morta, estendida do mesmo modo e no mesmo lugar que a haviam deixado no outro dia.

Curioso, Ivan arrancou um galho de árvore próxima e cutucou o animal ainda protegido por trás do arame do cercado. Não que temesse uma revolta das galinhas que poderiam se unir e lhe arrancar os olhos das órbitas, só achava que não era necessário entrar no território daqueles seres.

Bateu o galho no montículo que era a galinha e ele não se mexeu, então com um pouco de destreza conseguiu virar o animal de lado. Havia pequenos pontos brancos se mexendo ali, vermes que já comiam o banquete que ele oferecera. E eis que aconteceu a cena mais aterradora de sua vida. Vendo aqueles vermes no que restara da galinha, uma outra se aproximou e começou a bicar e comer. As outras, vendo que aquela achara algo farto para comer, se aproximaram e bicaram a morta. Não iam atrás dos vermes especificamente, apenas bicavam e arrancavam um pedaço daquela que dias atrás era uma igual, pois era isso que a primeira estava fazendo. Instantes depois todas estavam em cima da morta, desfazendo-lhe aos pedaços, fazendo voar penas e partes avermelhadas para todo lado, alimentando-se, pois era para isso que viviam, comer e seguir em frente.

De olhos arregaladosos garotos fitaram aquela cena de canibalismo se perguntando se elas não sabiamo que estavam fazendo. Mas no fundo, até mesmo aqueles seres tão desmiolados,sabiam o que estavam fazendo. Só não queriam se responsabilizar pelos seusatos.

A curiosidade mataOnde histórias criam vida. Descubra agora