A Solidão da Quarentena

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Essa é uma história que não deve ser única, nem mesmo original, solidão nunca foi um sentimento que poucos conhecessem, mas devido às circunstâncias, foi agravante para a moça de nossa pequena e tocante história.

Bem no início, todos pensavam que duraria pouco e que seria divertido relaxar em casa, longe dos julgamentos corriqueiros, e assim como muitos, pensou que estivesse de férias, sabia que não estava, mas estava tão cansada do mundo... por que não fingir um pouco? de fato, foi muito relaxante enquanto tinha tempo para si, mas as obrigações chegaram e seus desejos tiveram de ser negligenciados.

Logo percebeu que não passava de uma prisioneira dentro de sua própria casa, quatro paredes de angústia e ansiedade, quadro paredes com suas lágrimas noturnas. Existiam pessoas em estado pior, seu sofrimento por solidão a fez se sentir culpada, mas nada mudava o fato de ela estar sozinha.

Sua mais nova alegria era ouvir a vida em sua volta, não a natureza e ver como é relaxante, mas a vida mesmo! O cotidiano das pessoas à sua beira, os movimentos e sons de suas conversas abafadas por paredes finas, músicas que ouviam para relaxar depois de um dia corrido e cansativo. Isso lhe trazia a sensação de casa que tanto procurava, algo a se agarrar, algo que parecia real.

Sentia falta, falta daqueles dias onde tudo é perfeito, onde seus amigos faziam piadas idiotas mas ria delas sem nem mesmo pensar. Agora aqueles sorrisos estavam longe demais para serem vistos, e seus pensamentos flutuavam muito com sentimentos de saudade e que aquilo tudo seria somente o início de algo pior. Logo sentiria mais falta de um abraço do que ver o rosto de sua família. Falta de uma conversa enxergando as sardas de quem ouve suas palavras, não por trás de uma baixa resolução de uma câmera. Falta de sentir o vento enquanto corre. Falta de sair de casa sem se preocupar que horas iria voltar. Falta de viver.

Seus sonhos foram tomados de suas mãos por um tempo indeterminado, como se permitir sonhar quando existe tantas coisas impedindo seus sonhos de noite? como se permitir acreditar quando tudo cai tão rápido de um abismo? como poderia querer ficar apaixonada por uma ilusão que poderia quebrá-la por completo? Tantas perguntas e almas quebradas, esperanças tomadas... E a única resposta que obtinha era somente se afastar e fingir que nada estava acontecendo, se afastar e alienar-se das notícias que tomavam conta de sua cabeça.

As músicas tomaram conta de sua rotina, o trabalho excessivo a ajudou parar de pensar. Enquanto estava ocupada ouvindo música, enquanto trabalhava, parecia que nada tinha mudado, mas ao cair da noite, quando sua cabeça relaxava no travesseiro, seu vazio estava presente, até que levantasse e ficasse ocupada novamente.

No meio desse caos, permitiu-se apaixonar-se pela idéia de estar apaixonada, não o fez de fato, mas sua cabeça poderia parar de pensar na saudade de sua vida passada, e começar a imaginar alguém perfeito que a tiraria da confusão que estava em sua mente. Seus sonhos voltaram a ser sonhos pois tinham algo a se agarrar, era fictício, mas não eram pesadelos com futuros incertos e ansiosos para serem realizados. O fictício era preferível a decepção que a realidade proporcionava ao acordar.

O modo automático foi ligado e nem mesmo as notícias horríveis que a internet lhe mostrava a afetava mais. Dia seguido de dia, todos iguais, todos fictícios, todos repetidos, todos tristes. Não tinha mais a vontade de ser produtiva pois a produtividade a deixava sem tempo, o que lhe fazia parar de ler, ver filmes e séries, não sabia nem quem era e nem quem passara a ser, era uma estranha para si, assim como os outros tornaram-se estranhos para ela. Nada trazia o conforto de estar junto com outros e viver um dia perfeito, um dia de alegria.

Em um certo ponto entendeu que era somente uma fase e que passaria, mas não seria naquele momento, permitiu-se entrar em sua própria tristeza, mas não duraria para sempre, tinha certeza disso. Seu coração ainda apertava ao lembrar dos amados ao lado de fora das paredes de sua casa, mas deveria ser forte para poder vê-los novamente em um dia melhor e feliz, e com certeza, seria o dia perfeito que esperava a tanto tempo. Não sabia quando iria acontecer, mas a esperança a deu forças para ignorar o fictício e se agarrar a algo que não deixaria de existir mesmo se seus sonhos a deixassem, o amor.

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Contos de Quarentena [todo domingo a partir de 30/08]Onde histórias criam vida. Descubra agora