É de conhecimento geral que cidades pequenas e pacatas são fontes de muitos problemas. E era assim com Pantisa, uma cidadezinha com 40 mil habitantes rodeada por chapadas enormes que Marina passou os últimos 26 anos nomeando, ao redor da cidade tinham muitas e era bom repassar os nomes enquanto dirigia e via cada uma, a lembrava de que estava em casa e que ali era uma lugar que conseguia lidar com quase tudo. A delegacia parecia mais macabra, não que fosse um ambiente feliz ou neutro, em geral você entrava e dava de cara com homens com uma expressão fechada, bufando, murmurando e até chorando, mulheres em geral tinham expressões vazias e tristes e as crianças, bom, não era um ambiente para elas, garantia que quase nenhuma merecia estar ali.
Augusto, ocupava a terceira mesa e sempre estava cantarolando, o que era um contraste e tanto com o ambiente.
- Augusto!
Ele tinha lá seus 27 anos e era mais atrapalhado do que gostava de admitir, mas sempre estava de bom humor e por isso sempre falava com ele primeiro, garantia que era um ótimo divertimento. Mas acreditou ter falado no momento errado pois o fichário que ele tentava em vão fechar escapuliu das mãos deixando escapar algumas folhas que deveriam ser relatórios.
- O-olá, Marina! – ele tentava sorrir desconsertadamente, bom, as fotos criminais espalhadas no chão não ajudaram muito.
– Eu vou pegar - acrescentou e rapidamente se pondo ao chão.
- Essas coisas são criadas pelo diabo, eu não me arriscaria.
- O que?
Marina o lançou um olhar sarcástico que deveria intimidá-lo, mas com toda certeza o fez ficar confuso. Ela avaliou a mesa de Augusto, 2 xicaras de café sujando a mesa, 3 fichários que certamente esperavam a vez de cair no chão também, as canetas tinham a tampa mastigada o que dizia muito. Ele estava nervoso com algo. Franzindo os lábios apontou para a pilha desajeitada.
- Os fichários
- Bom, claro que, é, sim, acredito que esteja certa – ele engoliu em seco – Pois é.
Ela esperou, olhou ao redor e não tinha nada muito diferente. A sala era grande, 10 mesas grandes com pessoas escrevendo e lendo a todo vapor, a sala do chefe ao fundo estava fechada, o que Marina podia dizer que era algo normal, mas não tanto pois sabia que o Sr Portis deixava a porta entreaberta para avaliar seus subordinados. Seu olhar se voltou para Augusto que estava arrumando toda a mesa, que para a sua surpresa, estava agora limpa e os fichários haviam desaparecido.
- O que há? Você está meio nervoso... – Ela estreitou os olhos, se sentou na cadeira que estava a frente dele e analisou o seu rosto procurando algum vestígio de resposta.
- Estou – declarou – eu, bom, é que...
- Mas que diabos, fale logo, homem.
- O Portis...
- Sr Portis.
- ...está analisando o desaparecimento de 4 meninas na mata, perto da Vínculo, passando entre Forte e Molis.
Vínculo, Forte e Molis eram as chapadas no final de Pantisa, era um lugar calmo, havia mata baixa e floresta, trilhas e até cabanas. Sempre houvera turistas ali, haviam alguns lagos, paisagens e era inevitável não gostar daquele lugar.
Soltou um suspiro que era mais um lamento, muitas pessoas desapareciam e isso sempre deixava a cidade abalada, já fazia algum tempo que isso tinha acontecido, mas sempre era a mesma sensação angustiante de não saber o que houve e de que as próximas horas eram decisivas. Já tinha se acostumado aquilo na medida do possível, mas Augusto ainda sofria.
Ele iniciava junto com Marina a carreira na polícia, o que quer dizer que o Sr Portis nunca os colocava em casos de desaparecimentos ou assassinatos. Na verdade, os direcionavam para caminhões com cargas clandestinas, geralmente cigarros e charutos vindo de algum lugar distante ilegalemnte, mas era só.
- Você tem que aprender a lidar melhor com isso, sabe? - sussurrou
Previsivelmente, ele a ignorou.
- Provavelmente ele mandará outra dupla para apurar os fatos, não tenha esperança.
Ele a fitou, incrédulo como se ela tivesse cuspido fogo – Não é por isso que estou nervoso, Marina. Essas meninas estão desaparecidas há 4 dias, pelo que entendi, não deixaram rastros.
Ela mudou de posição desconfortavelmente por ter pensado diferente, ia tentar falar algo a mais quando observou que Augusto olhou para um ponto acima do seu ombro e um brilho passou pelo seu olho. Quando ela olhou para trás encontrou o motivo.
Anna Silve sempre estava deslumbrante em seu conjuntinho calça – camisa, sempre risonha e gentil, estava falando com o Agente Carvale enquanto sentava na mesa ao lado. Marina não lembra de quando a conheceu, mas certamente ela deve ter forçado a amizade. Os cabelos loiros e ondulados caiam no seu ombro perfeitamente para trás com um postura reta.
- Bom dia, Augusto. Você está ótimo hoje. Belos óculos.
Marina olhou para Augusto e deu uma esguiniçada, os óculos
- oh...
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Você enxerga?
Bí ẩn / Giật gânCidades pacatas são inquestionáveis fontes de problemas para Marina. Iniciando a sua carreira policial e com pouca credibilidade, ela se vê diante de um caso: 4 meninas desapareceram nas trilhas. Roupas dobradas, um sapato com um pé humano e ossos c...