Ele era um sussurro bonito.

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Havia, por hora, uma chuva grossa e horrenda caindo pelo lado de fora da janela. As pessoas gritavam e o barulho de uma ambulância correndo para lá e pra cá doía na alma. Mas eu não dava a mínima para qualquer coisa do lado de lá daquelas paredes.

A verdade é que tem vestígios de alma rasgada por toda minha pele. A cama é apertada, mas cabe dois corpos. E mesmo com a luz fraca, o suor brilhava na pele dele do mesmo jeito que o orvalho banha as plantas pela manhã. Bonito e sem jeito, ele passou a língua nos lábios cheios e disse que amava joguinhos.

A gastura dos dentes no meu pescoço fazia um choque entre um sorriso e um suspiro, mas todas as vezes em que eu abria os olhos me deparava com o mundo lá de fora. Então sussurrei um socorro baixinho sem culpa nenhuma.

Ele era lindo. Coberto pela madrugada como se ela fosse sua roupa mais cara. Um fio de saliva entre seus lábios e a pele da minha barriga se fez, e eu sabia que ele também não ligava pra quem estava gritando no quintal.

Escrevi um livro mais cedo. Ouvi dizerem tanto sobre pedaços de pesadelos que se separam em fragmentos para nos assustar um pouco todas as noites, mas esse fragmento era tão bom, tão bom. Como se fosse destinado a sorrir em meio a dor, ele não tirava a alegria de seus lábios.

Talvez fosse secreto demais para ser dito. Não sei escrever sobre essa gente sem ser invasiva demais. Seus dedos contornam minha costela como se ele estivesse pintando um quadro, e por Deus, como eu queria ser seu quadro. Queria ser tudo que ele quisesse. Queria me prender aqui e nunca mais voltar.

Suas digitais se enterram com força nas minhas bochechas; ele gosta dos meus olhos. Eu queria minhas pílulas, eu queria sentir seu hálito no canto da minha boca. De tanto querer nem sei mais o que quero. Quero morrer, perder seu jogo, quero gritar, abraçar, chorar, me entregar na sua carne, sussurrar que o amo mais do que dá pra suportar aqui dentro.

Quero voar. Como as aves lá em cima; quero voar.

Falando sobre minha pele, ele diz algo sobre minha cor ser linda demais para ser admirada com tão pouca luz. A única coisa que ilumina o quarto é a luz da rua que entra pela janela, mas não faz mal.

Quando tentei escrever minhas palavras no papel hoje mais cedo, achei que estivesse me afogando dentro de mim. E eu o culpo por isso. Eu o culpo por me rasgar a garganta em choros tão profundos, mas nunca me preenche de palavras pra jogar no papel. Te criei pra ser palavras.

Os olhos dele brilhavam como uma criança esperta. Não sei que tipo de coisa se passa na sua cabeça, mas sua pele me cobre com ternura. Numa loucura bonita ele mordeu meu lábio em um beijo, e eu sentia o gosto do medo na sua boca. Éramos o medo, e não havia como fugir.

Outrora, me convenço de que seus braços são os mais seguros num momento, e juro por qualquer ser dentre os céus que eu sou a pessoa mais brilhante de todo o planeta.

Radiada, rodada por mim mesma, dentro do meu próprio corpo, provando do meu veneno e embebedando minha carne. Nunca se pôde ouvir alguém morrer tão lindamente como eu morro.

E nunca se pôde ouvir de alguém que mata tão lindamente como ele: Com graça nos olhos e orgulho no falar, ao passo que eu me engasgo no meu próprio sangue.

Eu digo que dentro de mim ele é mais, ele é parte de tudo, ele é um planeta completo. Eu digo que não há pecado que nos leve à loucura, que grito lá de fora nenhum me tira dele. E que se dane o sistema; minha voz nunca pôde ser gritada de verdade.

Me tapam de louca e muda, então me enterro com a cabeça em seus ombros e choro com orgulho de ter minha pele. O cheiro dele é forte; é belo; é real. Ele estava tão perto de mim. Mordia minha orelha e eu sabia que não duraria muito. Havia uma agonia estridente entre minhas realidades, mas ele não dava a mínima.

Era elegante o jeito em que segurava minhas costas. Se deixou um pouco de si no meu pescoço, um pouco na minha barriga, um pouco no meu peito e nas minhas lágrimas. Se deixou em cada célula do meu corpo.

Ninguém nunca matou tão lindamente como ele.

Me faça voar, Jimin-ah. — Disse em seu ouvido. — Toma-me toda.

Numa costura silenciosa da noite e o dia, seu abraço ficou forte. Seu silêncio gritou alto e eu nunca pertenci tanto à outra pessoa na vida. Não havia hora pra acordar, não havia hora pra me vomitar de mim e querer outro corpo senão o meu.

Seus dedos contornaram minha silhueta e ali, em suas mãos, eu fui tudo. Desde a raíz do meu cabelo até a última pele do meu pé. E que seja loucura; eu não ligo. Para ele, não sou ninguém mais que uma humana em seus braços, sussurrando vida e explodindo choros bonitos. Para ele, sou colorida, extasiada, perfeitamente feita para caber no vão entre seu peito e seus braços. E eu nunca fiquei tão feliz por ter inventado um personagem tão doloroso como ele — que mata tão bem.

E que se danem as águias no céu, eu posso voar mais do que elas.

🦋

Dica da autora: Cuidado ao amar um personagem. Eles sabem fazer a dor doer, porque por não existirem, não podem senti-la.

Águias • JiminOnde histórias criam vida. Descubra agora