O começo de tudo.

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Éramos crianças quando tudo começou, eu era uma menina tímida em um novo lugar e ela era... Ela era linda.
Confesso que a achei linda logo de cara e não conseguia imaginar uma vida onde ela pudesse ao menos olhar para mim, naquela época eu estava revoltada com toda a situação da minha vida, nova tanto no colégio quanto naquela cidade, meus pais se divorciando e eu morando com meu pai que nunca estava em casa!
 Me sentia mais sozinha do que nunca, tinha acabado de fazer 15 anos e de presente meus pais sentaram comigo e meus irmãos na sala da minha antiga casa, ambos nos olharam como se eu fossemos crianças que não faziam ideia que eles brigavam e gritavam um com o outro todas as noites até que meu pai dormisse no sofá e meus irmãos na ponta da minha cama.
"Meus amores" eles disseram, "chega uma hora no casamento que simplesmente não dá mais sabe?"
 
Sim pai a gente sabia!
 Tive vontade levantar daquele sofá de couro azul, onde eu tinha rasgado uma vez assim que eu tinha ganho meu patins, sair correndo pelo corredor que levava ao meu quarto enquanto gritava para eles "por favor separem-se logo", mas no fundo estava magoada demais para não ligar afinal era o fim da vida que eu conhecia, eles poderiam não se amar mais, mas eram bons pais quando se tratava de mim e meus irmãos.
 Mamãe ficou com eles quando nos separamos e digo nós pois desde que eles terminaram o casamento, ela não tirou um dia da sua vida para vir atrás de mim ou saber como eu estava, não ligava, não me mandava mensagem, meu pai dizia para eu não me preocupar, mas é claro que eu me preocupava.
 Como minha mãe poderia não estar mais interessada em mim? Como ela conseguiu me separar dos meus irmãos?
 Eu já estava sofrendo com tudo isso, minha vida havia mudado completamente, parecia que alguém tinha me pego e me virado do avesso, não queria saber de ninguém, tanto amizade quanto algo mais, não estava preparada para qualquer tipo de envolvimento onde a pessoa poderia simplesmente me abandonar como minha própria mãe havia feito.
 Mas logo naquele primeiro dia de aula, quando ela entrou na sala e meus olhos focaram nela, em seus longos cabelos cacheados, sua boca carnuda parecendo ser esculpida pelo Michelangelo, e aqueles olhos...
 ... Seus olhos pretos penetravam te despiam a alma, seus olhos pretos me prendiam junto com seu ar de mulher, mesmo que ela fosse apenas uma menina ainda.
 Lembro que abaixei a cabeça envergonhada quando ela sentiu meus olhares e me encarou de volta enquanto andava até sua própria mesa algumas cadeiras a distância de mim, ela conversava com uma menina de cabelos raspados que demorei, mesmo não morrendo de vergonha, não conseguia tirar os olhos dela, meus cabelos faziam uma cortina entres nós e eu ainda a observava pelas frestas, lembro-me de que ela levantou quando percebeu meu olhar, sentou na mesa ao lado da minha e descansou o rosto no punho, durante todas as aulas ela não tirou os olhos de mim, mas não disse nada. Nem mesmo oi.
Meu rosto ficou quente e eu sentia o rubor, mas mesmo assim, não conseguia desviar os olhos dos olhos dela, porém quando o sinal tocou, arrumei minhas coisas o mais rápido possivel e corri para minha casa. 
Naquela noite eu sonhei com ela, com seus lábios grossos me chamando.
Sonhei que ela esticava a mão e pegava em meu queixo, fazendo-me olhar pra ela seus dedos estavam gelados mas não foi seu toque frio que me fez arrepiar, e sim a eletricidade que passava por eles.
 Ao decorrer do mês, meu coração batia rápido toda vez que eu entrava na sala e ela já estava sentada na mesa ao lado da minha, me encarando todos os dias, seus semblante parecia tentar me entender como se eu fosse um problema complexo de álgebra III.
 Tentei manter o foco em meu caderno durante todas as aulas, porém tudo o que tinha em meu caderno eram rabiscos da boca dela, na semana seguinte passei a levar um livro para me distrair, e lia em todo o momento vago ou nas trocas de professores.
 Havia passado um mês quando estava lendo em uma das partes mais interessantes do livro quando reparei dois pares de pernas douradas pulando na minha mesa e pegando meu livro de minhas mãos, não precisava olhar para saber quem era, mas ainda assim, subi o olhar apenas para confirmar.
 E lá estava ela, sorrindo de uma maneira intrigante com os olhos semicerrados e astutos.
-Oi?
-Que livro é esse? Ela perguntou fechando o livro e olhando a capa.
-Um livro velho, nada demais. Peguei o livro de suas mãos guardando-o embaixo das minhas pernas e a encarei tentando entender o que ela estava fazendo ali.
-Eu gosto de livros velhos. Ela sorriu colocando a mão embaixo da minha coxa se demorando ali um segundo a mais e pegando-o. -Esse é bem velho mesmo.
-Eu disse que era. Dei de ombros tentando parecer que não me importava.
-"E você aperta minha mão, duas vezes três vezes e acredite em mim, eu irei te amar sempre" fofo. Ela fechou o livro e desceu da minha mesa.
 Assim como ela surgiu, ela se foi.
As aulas passavam lentas demais, e eu sentia seus olhos me encarando o tempo todo, meu corpo todo ardia mas meu rosto queimava, na troca de professores sai para beber água e quando voltei um papel dobrado jazia com tanta vida em minha mesa quase como se pulsasse me chamando.
 Olhei ao redor procurando ver se alguém parecia culpado, mas ninguém olhava e ela estava longe demais, conversando com a menina de cabelo raspado que eu não sabia o nome. 
 Abri o papel com as mãos tremulas, a letra era pequena e corrida quase como se com medo de ser pega, estava com uma caneta rosa de gliter e suspeitei que havia perfume, escondida e rapidamente levei até o rosto e sim... Morango.
"Tudo o que eu faço, durante o dia todo é sonhar com você, tudo o que eu faço desde que te conheci é sonhar com você. Então poderia ficar comigo, deite comigo e não converse de nada?"
 Fechei o bilhete e olhei ao redor novamente, ela agora me olhava de soslaio e com um sorriso não nos lábios, mas nos olhos.

 A partir daquele dia sempre deixávamos notas uma para a outra, não conversávamos pessoalmente quase como se fossemos um segredo e eu amava guarda-la só para mim.
Ela era tudo que eu tinha enquanto ela tinha todo o resto, a fama no colégio, os olhares...
 Ela tinha tudo, mas ainda assim eu tinha ela e isso era tudo o que eu poderia querer.
 Lembro quando ela apareceu na minha casa pela primeira vez, era tarde da noite e meu pai estava em uma de suas viagens quando a campainha tocou, olhei pela janela e a vi parada olhava de um lado para outro com uma mochila nas costas e roía a unha.
 Não conseguia entender o que ela fazia ali, não haviamos conversado nada além de alguns bilhetes aqui e ali, mas não havia nada pessoal nos bilhetes, eram citações de livros e filmes, letras de música...
 Mas lá estava ela, tocando novamente a minha campainha impaciente.
Desci as escadas e abri a porta, seu olhar parecia vago e doloroso, me senti confusa demais.
-Como você sabia onde eu morava? Foi a primeira coisa que falei quando abri a porta.
-Eu te segui um dia. Ela falou sem perceber quão estranho aquilo de fato era.
-E o que esta fazendo aqui tão tarde?
-Ah, Kelly me deixou aqui. Ela sorriu entrando antes de eu convidar.
-Tudo bem..?
-Ela queria que eu dormisse na casa dela, mas preferi vir aqui. Ela deu de ombros se jogando no sofá.
 Eu ainda estava na porta tentando entender tudo o que estava acontecendo.
 -Porque?
-Eu gosto de você. Ela deu de ombros tirando os sapatos e colocando os pés para cima do sofá.
-Mas a gente nunca conversou...
-Eu sei, achei que poderia ser um bom começo agora. Ela gostava muito de dar de ombros, revirei os olhos e fechei a porta me dirigindo até ela.
-Tudo bem. Sentei no sofá sem saber onde começar uma conversa...
-Sabe, por mais que nunca tenhamos de fato conversado, já passou o que? Três meses que trocamos bilhetes? Assenti. -Eu gosto de você, sempre sabe o que dizer e sempre sabe o que eu vou gostar.
Ela sorriu dessa vez, não deu de ombros nem fez nada que eu pudesse imaginar, apenas sorriu e pegou minha mão.
-É estranho né? Eu estar aqui na sua casa um pouco bêbada confesso e nem ao menos sei seu nome.
-Lauren.
-Diferente.
-Eu sei.
-De onde é?
-Meu pai leu um livro que fez minha mãe se apaixonar por ele, não lembro algo do tipo... E o nome da vilã era Lauren.
-Da vilã?
-É, ainda bem pois o nome da principal era Michelle e não me vejo como Michelle.
-Credo, se fosse você já teria nascido pronta para se aposentar.
-Exato!
-Mas eu gostei, Lauren... O meu é Camila bem nome comum.
 E lá estava de novo o dar de ombros, uma hora ela teria o ombro deslocado ou eles se desprenderiam e sairiam correndo.
Camila passou a noite comigo, tentei preparar o quarto de hospedes mas ela insistiu para dormirmos na mesma cama, passamos a noite toda conversando e ela era diferente do que aparentava.
 Na escola ela era aquela pessoa que todos conversavam, mas nunca coisas substanciais ela era fútil, mas aqui... Ela era a pessoa mais interessante, inteligente e engraçada que eu já havia conversado.
Quando Camila pegou no sono me levantei da cama e sentei na mesa de estudos, lembro de ter pego meu cadernos e desenhado-a dormir, ao lado escrevi o que seria um bilhete que jamais seria entregue. "Meu coração bate um pouco mais rápido quando nossos olhos se encontram no meio de uma sala cheia. Eu tenho um sentimento e não sei o que fazer".

Dobrei o papel e guardei no fundo do caderno.
-O que está fazendo? Assustei com sua voz.
-Nada. Sorri.
-Vem deitar comigo, preciso de você Lauren, por isso vim para cá.
 E eu fui.
 Deitei-me ao seu lado e ela me abraçou deitando em meu peito.
-Não me deixe sozinha tá?
-Não vou.
-Promete?
-Prometo, nunca vou te deixar sozinha, Camila.
 E eu realmente, nunca a deixei, nem mesmo quando tudo o que eu queria era gritar e ir embora deixa-la ali para que ela lidasse com seus próprios problemas, eu fiquei. Eu fiquei porque naquele momento, eu já a amava mais do que eu sabia que era possível amar alguém que acabara de conhecer.

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