Através das Grades

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22 de setembro de 2008, 23:58.

          Hoje completa duas semanas que estou aqui dentro, não sei mais diferenciar a realidade da insanidade. Estou em uma prisão de segurança máxima, sozinho, trancado no terceiro corredor. seis andares abaixo do solo. Aqui não existem outros presos, talvez não exista nem outro humano. Acredito que os guardas não ficam na porta da minha cela como nos filmes. Eles devem ficar à frente da porta de aço no primeiro andar do prédio. Escutei vozes gargalhando, mas dessa vez eu pude me tranquilizar. Logo após cessarem os risos, o pão seco foi jogado cela à dentro para que eu jantasse.

         – Já são meia-noite? – disse a mim mesmo preocupado.

Eu já não conseguia mais diferenciar o intervalo de tempo entre os dias. Qualquer coisa que eu pensasse parecia durar uma eternidade. Aquela solidão tiraria qualquer pessoa do estado racional.


29 de setembro de 2008, 00:00.

         Tudo está nebuloso, não sei se já está afetando minha visão. Muito tempo sem ver luz, essa cela é completamente fechada e a única abertura que possui é a entrada de comida, que de qualquer forma não tem contato com iluminação já que o corredor é trancado e nele só existe a minha cela. Às vezes vejo rostos na minha frente. Homens rindo, chorando, gritando. Esta noite consegui ver um rosto bem pálido sorrindo para mim, eu não fico mais assustado. Ficar sozinho tanto tempo muda nossa forma de ser e de pensar. Qualquer sorriso me ajudaria a sobreviver naquela escuridão.


30 de setembro de 2008, 22:14

         Resolvi me levantar depois de tanto tempo apenas deitado pensando que uma hora algo mudaria e eu sairia daqui. Os surtos me dominam, eu ficarei aqui eternamente e nada vai mudar. A esperança vem e vai, mas a realidade é clara de que estou apenas aguardando a morte chegar. E como ela chegará? Quando? Tenho 34 anos. Tenho medo de esperar de mais, já não aguento ficar aqui. É doentio essa sensação de futuro pois eu sei que estou preso em meu eterno presente. Comecei a andar pela cela em mais um dos surtos pensando que encontraria uma saída daquele lugar. Depois da volta quarenta e sete, meus pés começaram a sentir o molhado. Sim, meus pés sentiram água!

          – Como pode existir água em minha cela?! Será que há algum vazamento no teto vindo da cela no andar de cima. – Quanto mais eu andava, mais o nível de água subia. Me espantei com a quantidade de água que aparecera tão de repente. Não conseguia enxergar um palmo à minha frente, mas senti que a água começou a baixar. A pressão ficava mais forte e era como se existisse um buraco negro sugando tudo a minha frente. O chão começou a fazer barulhos estranhos e por um momento pude sentir ele rachando sob meus pés.

          EU CAÍ.

          Enquanto descia em direção ao inferno de concreto, algumas cenas da minha vida passaram pela minha mente.


10 de outubro de 2008, 06:59.

          Minha respiração estava ofegante e eu sentia fortes dores no corpo. Eu sonhei que estava caindo, mas parece que o sonho trouxe efeitos reais para mim. Acho que minha solidão está me consumindo.


12 de outubro de 2008, 23:57.

          Aquele rosto na parede que sorria para mim, percebo hoje que era sarcasmo. O sorriso continua ameaçador, medonho. Recuperara o medo de estar ali sozinho, ou pior, com ele.

          – Não vou fazer isso! Não darei ouvidos à essa coisa – gritei.

Minha voz ecoava por toda cela, algumas vezes ao longo dos dias eu gritava comigo mesmo para que o eco me fizesse companhia.

O rosto começava a me perturbar. Eu não sabia se isso era real ou só existia na minha cabeça. A comida não era mais servida na hora certa, ou será que eu sabia qual era a hora certa?

          Estou delirando cada dia mais. Comecei a bater minha cabeça contra a parede ao qual eu passava a maior parte do tempo acostado, pensando esse diário mental que eu guardarei eternamente para mim mesmo.

          Pingavam gotas de sangue e minha testa latejava de dor. Eu sabia que era influência daquele sorriso. Seus dentes ficavam cada vez mais afiados e amarelados, olhava para mim com aqueles olhos vermelhos. Eu já não suportava mais olhar aquela aberração à minha frente, aquele rosto na parede de concreto.


13 de outubro de 2008, 23:59.

          Outro dia e eu continuava batendo minha cabeça, desta vez começava a morder os dedos na tentativa de arrancá-los de mim. Consegui arrancar um. Aquilo parecia insuportável, meu sangue estava inundando toda a cela e eu só o fizera para que a dor anestesia-se minha mente e eu pudesse esquecer o tormento que aquele rosto me causava. Mas ao contrário. Aquele sorriso ficava mais forte e desta vez eu ouvia suas gargalhadas. Ele estava mais perto que nunca. Já não tinha mais forças para fazer nenhum dano a mim mesmo. Desmaiei.

          O pão foi jogado, o relógio marcava 00:00 como de costume. Quando o pão bateu em minha cabeça eu percebi que não estava sentindo mais nada. Então me deparei com muitos homens naquela cela. Todos agonizando pois eram almas presas eternamente àquele lugar. Foi quando aquela cena voltou a minha mente.


11 de maio de 2003, 15:32.

          Cinema era algo muito clichê para comemoração de 3 anos de namoro. Resolvi que a levaria a um parque de diversões que chegara na vizinhança.

* RING RING *

          Meu celular começou a tocar e era a irmã de Isabella, minha namorada. Eu atendi preocupado, acreditando ter acontecido algo grave com algum familiar dela.

          – Estamos MORTOS – ela gritava em meu ouvido, quase me ensurdeceu. Depois de chorar muito na linha ela teve coragem de prosseguir e dizer o fato que nos mataria.

          Ela estava grávida de mim.

          Eu cheguei a trair minha namorada algumas vezes com sua irmã. Quando descobri de sua gravidez a matei e deixei seu corpo enterrado sob o solo do quintal, não estávamos mortos.

Ela estava morta.


-- de ------ de ----, --:--.

          Depois desta cena passar por minha mente eu percebi que estava sendo castigado em meu próprio inferno. Minha alma estava aprisionada com outros homens que fizeram atrocidades e vieram parar aqui. Neste mundo não existe passado ou futuro. Tudo era presente. E minha alma ficaria presa ali sem poder morrer, fugir ou viver novamente. Eu estava na linha entre a sabedoria universal e a morte eterna.

          Consegui reunir forças vindas da energia de novos presos na cela. Comecei a me manifestar a eles, com meu sorriso encantador, através do concreto das paredes, que os convenceria de fazer mal aos seus próprios corpos até que sucumbissem a morte prisional que me encontro. No inferno você atormenta ou será eternamente atormentado.

Seja bem-vindo.

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