goodbye, tangerine.

269 30 100
                                    

de todas as minhas memórias boas, daquelas que você cruza em sua mente como cadarços de um all star para que elas não tropecem e caiam em ostracismo, você, era a mais doce delas. E é engraçado e no mínimo contraditório pensar no quanto você gostava de tangerinas em sua coloração alaranjada e acidez estridente, por mais que seu jeito de ser e os beijos que depositava pelo meu rosto fossem ridiculamente docinhos.

você e seus paradoxos me atraíam e faziam com que meu olhar ficasse petrificado em suas incógnitas matematicamente irracionais. qualquer idiota apaixonada custaria a desviar os olhos da sua cantoria desafinada nas tardes de sábado e do modo como sua camisa vermelho floral balançava com a ventania típica do clima da cidadezinha. ainda ouço os ventos do sul trazerem seu timbre até meus ouvidos em tardes como essa, mas a visão do seu corpo em um túmulo coberto pelo remorso dos buquês de flores é bem mais recente do que a nostalgia exorbitante do caraoquê da rádio velha.

talvez nenhum daqueles corpos em vestes escuras estivesse tão triste quanto a begônia costurada no meu vestido preto formal. você amava aquelas flores tanto quanto amava festivais coloridos, jantares entre amigos, banhos de mar, lojas de brinquedos e qualquer outra coisa que remetesse a felicidade. você era a pessoa mais genuinamente feliz que eu já tinha visto, e me questiono como o garoto do sorriso alegre se apaixonou por um coração vazio e sem graça como o meu. não é à toa que sempre fui uma solitária nata e não é como se isso tivesse melhorado desde o dia em que o sangue parou de correr pelas suas veias e as begônias pararam de estampar suas camisas e foram parar em seu caixão.

as pessoas sempre maquiam sorrisos exagerados que vão de uma orelha a outra e fantasiam uma vida real tão patética como as vistas nos comerciais de televisão. talvez a alegria realmente exista e não seja fruto da alienação da mídia, e deve ser por isso que meus amigos andam tão preocupados comigo e meu andar cabisbaixo. será que eles me ouvem chorar baixinho no travesseiro todas as noites enquanto resmungo a letra da sua música favorita?

viver no passado com as feridas expostas na pele tem seu preço, principalmente quando as únicas coisas que me movem são a dor e a saudade costumeira. os fones entopem meus ouvidos, fazendo com que eu me desvencilhe facilmente do presente-futuro que supostamente espera por mim, e ele não está de mãos vazias. mas esse futuro realmente merece ser vivido sem você? porque eu até seguiria em frente sem olhar para o parque aonde passeávamos de mãos dadas, porém isso me custaria muito mais do que meu esquecimento me permite.

o lago ainda está lá, intacto e perene, assim como as árvores, as flores, as bicicletas e os banquinhos de madeira, com a diferença sútil de que sua risada não preenche mais os cantos verdes desse lugar antes tão nosso. a ideia de desapegar do nós parece tão insana que quanto mais me aproximo das águas gélidas, mais a desistência me atinge me levando a recuar pelo menos dois passos daquele lago traiçoeiro.

é meio difícil entender que nossas canções de fins de semana serão engolidas pelas gotas do lago assim, como se fossem um nada. porém, ver seus traços eternizados nas fotografias do nosso álbum empoeirado me dão um tipo de segurança misteriosa de que mesmo que eu não seja capaz de te esquecer por nenhum segundo, eu possa superar e entender que seus cabelos e seu olhar sereno não passam de um reflexo aquático.

afogarei minhas mágoas ressentidas pela última vez com um aceno não-tão-breve, enquanto desapego das minhas lembranças sobre o seu sorriso de tangerina que me ardia em brasas ásperas. porque dor nenhuma é capaz de durar para sempre.

e sempre que eu quiser sentir você novamente, basta ligar a rádio no último volume, visitar a floricultura ou melhor ainda: te olhar pendurado na janela do meu coração trajando uma camisa florida.

DESPEDIDA.Onde histórias criam vida. Descubra agora