Linhagem Marítma

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                Chovia. Nossa, e como chovia naquela noite de verão. E o pior, estava tão abafado que não podíamos nem usar camisa. Uma bermuda, apenas.

                Ficávamos na varanda da nossa casa, eu e o meu irmão mais velho. A casa era pequena, mas o suficiente para que nós dois morássemos tranquilamente, enquanto estávamos fazendo pesquisas à respeito da fauna marinha daquela região.

                Uma dessas ilhas da América central, onde o meu irmão, biólogo renomado, foi parar. E eu, obvio que vim com ele, afinal, eu precisava de um descanso, e uma ilha paradisíaca dessas seria, a meu ver, uma ótima fonte de tranqüilidade.

                Enfim, naquela noite, nós estávamos na varanda observando e contando cada onda que o mar trazia. Cada onda que dissipava a areia ali na beira, quando ela apareceu.

                Ao que parecia, ela saía do mar naquele momento, arrastando-se ajoelhada na areia.

                Nesse momento, meu irmão já saiu pulando a cerca que separava a nossa casa da areia da praia e tomou velocidade até alcançá-la. Eu corri atrás dele, estranhando tudo aquilo.

                Era uma moça. A moça mais linda que nós dois já vimos na vida. Sério, ela tinha longas madeixas negras que iam até pouco mais da cintura. Os olhos azuis tão escuros quanto às águas daquele mar e uma pele morena tão lisa...

                Perguntamos o que havia acontecido. Ela disse que não se lembrava e que estava com medo. Até aí tudo bem, afinal, não queríamos assustar a bela moça.

                Lembro bem que ela se encolhia nos braços do meu irmão enquanto ele sussurrava coisas como “calma, você está a salvo agora” entre outras coisas que reconfortassem.

                E então ele resolveu levá-la para nossa casa. Era uma coisa óbvia a se fazer. Porém, não pra mim. Eu não posso te dizer o que, exatamente, eu sentia naquele momento. Eu só sabia que me parecia muito estranho a ideia de levar uma completa desconhecida à nossa casinha. Mas preferi não argumentar.

                E eu amparei aquela desgraçada até a nossa casa. Eu ajudei a levá-la para lá, sabe. Nós a colocamos na minha cama, e fizemos chá para a moça enquanto ela comia bolachas lá no meu quarto. E eu aguentei tudo aquilo, não que eu fosse cuzão. Eu era receptivo, mas por algum motivo, não conseguia ser com aquela moça.

                Conversamos com ela. Ou melhor, meu irmão conversou, eu só fiquei ouvindo ali na porta do quarto. Ele perguntou seu nome, ela apresentou-se como Lívia, embora eu desconfiasse se fosse aquele mesmo o seu nome.

                Ele a perguntou qual era a sua ultima memória. Ela respondeu um navio, ou coisa parecida. Concluímos, ou melhor, ele concluiu que ela devia ser alguma espécie de naufragada.

                Portanto, ao amanhecer ele procuraria alguma autoridade para encaminhar a moça para sua casa.

                Mas, aos meus olhos, ele já parecia meio alterado. Talvez por ter conversado mais com a moça, ela com aquela voz suave de uma formidável cantora. Eu não consigo entender por que, entre eu e ele, apenas eu percebia que ela era diferente. Talvez ele já estivesse encantado, ou coisa assim, naquela altura do campeonato.

                Enfim, eu concordei com tudo que ele disse. A casa era dele, o que poderia eu fazer? Avisei-o de que estava saindo, ele nem pareceu me notar, e com um aceno, voltou para o meu quarto, onde ela estava.

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