amor preto

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Tudo é sobre bastar-se, dizem por aí que a melhor companhia é a de si mesma, e eu até concordo, mas as vezes é difícil.

Eu sou de onde rejeitaram meus traços, minha cor escura parecendo o céu quando a madrugada chega (meus sentimentos estão estacionados e aqui tiro minhas vestes). Sou de onde rejeitaram meu cabelo afro, "abaixa esse volume", eles diziam.

Cresci sendo rejeitada pelos filhos de senhores de engenho, os quais eu achava que eram os príncipes dos meus contos de fadas, e que tudo seria mais fácil se eu abaixasse o volume, então eu abaixei, de nada adiantou.
Fui trocada diversas vezes (muitas de nós, mulheres negras, ainda somos) pelas sinhazinhas de cabelo liso e pele clara, essa sim dava pra apresentar aos pais.

Maldita. Negra. Mulata.

Só o meu corpo era agradável, bunda grande, né? Isso você não tinha, sinhá, por isso tantos bastardos. Mas eu nunca servi para ser amada, meu corpo servia de objeto na mão de homens brancos.

Basta.

De lá, veio um homem, temia que fosse mais um senhorzinho, mas não.
Esse tinha a pele igual a minha, escura, macia, retinta. Esse me tocou, como eu nunca havia sido tocada, minha pele se arrepiou, que sensação é essa?

E eu deslizei as minhas mãos pelo seu corpo preto... foi então que eu percebi. Ele passou a mão pelo meu cabelo afro, tocou o meu rosto, a minha boca carnuda demais e por fim segurou firme nas minhas mãos, nossos corpos pretos se colidiram e o céu se fechou, ele estava ali pra me salvar, e conseguiu.

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