Os olhos de dela tinham ido de roxo para quase preto e estava injetados de sangue, seus braços tremiam tanto que os morangos de neve que ela estava carregando caíram todos no chão ;algumas das pessoas que estavam perto dela se afastaram com medo de serem castigados mesmo sem ter nada a ver. 
 Silly começou a tremer na hora, todo o seu corpo encharcado de suor frio,era um medo instintivo,  ela sabia, como todos os animais na natureza sabem, que Lira era seu predador natural e ela foi pega intimidando seu filhote. O sangue de seu corpo foi todo para as pernas em preparação para fugir, e quando Lira deu um passo em sua direção, ela correu por sua vida. 
 Claramente Lira não podia se importar mesmo com ela naquele momento, tudo o que ela podia ver era Tristan. 
 Por um segundo, Tristan ficou aliviado da terra ter parado de tremer e então ele ficou confuso. 
 O que aconteceu? Onde estou? Quem sou? 
 Ele não conseguia ver as coisas direito, tudo parecia disforme e embaçado, ele podia ouvir os sussurros das pessoas mas ele não conseguia identificar ninguém, todos eram formas escuras e assustadoras. Uma dessas formas correu para ele de repente como um trem e Tristan quase fez xixi nas calças, se encolhendo no chão, esperando a dor que nunca veio. 
 O coração de Lira estava tão apertado que ela quase não conseguia respirar, as lágrimas pingando dos cílios como gotas de pérola, aquele menino que era tão pequeno e frágil quanto um dente de leão, encolhido no chão frio, parecia tão solitário e maltratado, ela estava preocupada e com medo de tocar nele e Tristan se despedaçar. Ele não fez nenhum movimento para se defender, sempre aceitando tudo que jogassem nele, mesmo agora, encolhido no chão, ele apenas esperou os golpes, Lira não sabia a quanto tempo isso estava acontecendo, o quanto de humilhação ele passou sem falar nada, quantas vezes ele se atrasou para o jantar. 
 Ela olhou para as pessoas que passavam, fingindo não ver, e seu coração ficou amargo. Malditas pessoas, que direito eles tinham de tratar seu Tristan como ar? Ela sabia que não gostavam muito dele, quando ele chegou, muitos queriam jogar o bebê no mar,  porque acharam que seus olhos vermelhos e cabelos de neve era um mau presságio,a maioria desistiu depois que Baba o pegou, Lira achava que isso já tinha passado, que já o tinham aceitado,ela ainda tinha esperança que seu próprio povo não iria discriminar Tristan por ser um pouco diferente. Ele podia ser diferente mas ainda era um siren.
 Ela nunca viu esse tipo de indiferença, como se Tristan lhes devesse alguma coisa e já era bom o bastante ainda estar vivo. 
 Lira se ajoelhou do lado de Tristan em forma de bolinho, ele estava com os cabelos cheios de areia e terra, um dos joelhos estava em vários tons de verde e azul e parecia muito doloroso ele se encolher daquele jeito, tinha sangue na areia e ela não podia ver onde estava sangrando, mas só de saber, ela engasgou. Era tão injusto. 
  
 – Ei, estrelinha. É a mamãe. – Sua voz era suave e gentil como as pétalas de uma rosa, sua garganta tinha um nó muito difícil de engolir. 
 Quando Tristan chegou, ele sempre chorava em silêncio quando via Baba, ela nunca conseguia chegar perto dele sem que ele se encolhece, então quem cuidou dele até os cinco anos foi a própria Lira. Na época, ele tinha visto algumas das crianças da aldeia chamando suas mães, e achou que Lira era sua mãe. 
 Ela sentia um calor no peito a cada dia que via como Tristan tinha crescido, como ele sempre que achava uma fruta doce ou um inseto esquisito trazia para ela ver, todo seu esforço e cuidado para deixar que aquele pequeno broto quase morto pudesse viver. E agora ele estava sendo intimidado. 
 Ele não parecia ter escutado o que ela disse, e teve que ser chamado mais algumas vezes, até que ele olhou para cima, e seus olhos se arregalaram, um rasto de sangue escorrendo de um corte na bochecha,como uma mancha de tinta vermelha em um oceano todo azul , as nuvens do céu refletiam em seus olhos e formaram padrões como uma grande tempestade de fogo e sangue. O nervosismo parecia que não tinha por onde escoar e fizeram seus dedos espasmarem inconscientemente, o medo era o mais terrível, Tristan não tinha medo, nem das outras pessoas, nem da dor, ele tinha medo de Lira, ele não queria que ela visse como  ele ainda era miserável. 
 – Lira… quando você chegou? – Ele não poderia suportar isso, ele não queria que ela visse. Sua mente orava freneticamente, não tenha visto, não tenha visto, não tenha visto. 
 Os segundos antes dela responder pareciam durar para sempre, a expectativa da confirmação e então as perguntas, parecia que tudo isso já tinha acontecido a muito tempo atrás, como a água que corre pelo riacho, evapora, se condensa nas nuvens chuvosas e então volta para o mesmo lugar. 
 Não havia como essa irmã mais velha não conhecer os pensamentos dele, estava escrito "pânico " em letras brilhantes dentro de seus olhos,  então ela apenas sorriu, tão claro e reconfortante quanto um abraço , suavemente revestindo seus ossos fissurados com mel quente e grudento, mantendo todos os pedaços dele unidos. 
 – Você caiu? Moleque, não sabe usar seus próprios pés? Quer que a irmã mais velha te ensine de novo? 
 Por uns poucos minutos Tristan achou que o tempo tinha parado, nada se mexia, respirava ou falava, apenas o som do vento soprando, como se várias pessoas estivessem sussurrando para ele de cima das árvores, lhe contando seus segredos. 
 Ele nunca poderia esperar que tinha ficado tão tonto que não viu quando Silly saiu, apenas ficou ali parado como um dois de paus, quão vergonhoso. 
  Sem nem dar qualquer espaço para ele pensar demais, Lira pega Tristan nos braços, como da primeira vez que ela encontrou o bebê Tristan, com medo que ele se quebrasse,  tomando cuidado para não piorar seus machucados nem apertar onde pudesse estar ferido e correu para casa. 
 
 A casa de Baba ficava mais para o centro da mata,em uma ilhota cercada de água negra que  mais parecia um pântano , um caminho de pedras largas ligava a casa dela com a terra firme.  A maioria das pessoas preferiria fazer suas casas no litoral, sem se atreverem a entrar muito fundo na floresta, era menos abafado e eles poderiam fugir rapidamente pelos botes, ninguém parecia entender porque a siren mais velha gostava de se esconder dentro da floresta. 
 Lira correu como se estivesse possuída,costurando entre os galhos das árvores que eram pontudos e afiados, cortando seus braços e pernas quando ela passava. Tristan sentia que tinha entrado em um mundo coberto de verde e azul totalmente cegante. Por onde quer que passavam, mesmo que ele olhasse do canto do olho por 2 segundos, ele via cogumelos coloridos, trepadeiras, flores, árvores e pedras cobertas de musgo verde brilhante. Ele já tinha visto tudo isso antes, mas não eram tão coloridos e ele tinha certeza que nada daquilo tinha olhos antes. 
 Alguns tinham formas humanóides, como um grande cogumelo vermelho e rosa que desenterrou metade de seu caule para fora da terra, mostrando dois olhos completamente negros como os de um inseto.
 E atrás dele, que havia uma forma alta branca e preta cheia de pelos que pareciam macios, estava de pé um pouco escondido nas sombras e de longe parecia uma pessoa, mas quando a luz o iluminou, revelou antenas, asas finas como as de uma cigarra e olhos de inseto. Tudo ao redor dele parecia vivo, as borboletas batiam suas asas feitas do pareciam ser pétalas preguiçosamente , até que uma coisa que parecia uma mistura de coelho com cervo listrado começou a persegui-las, até mesmo a grama e a terra do chão, ele sentia que se mexiam ligeiramente, como se respirassem. 
 Os pássaros brancos pousados nas árvores , o olhava com seus olhinhos que pareciam contas, suas cabeças inclinadas para o lado como se estivessem um tanto preocupados e achando engraçado ao mesmo tempo. Quando eles se mexiam sobre o sol que espreitava por entre as folhas, suas penas refletiam a luz como pedras coloridas de rio, verde, azul e branco pérola. Tristan podia jurar alguns deles tinham mesmo pedras nas costas das asas. 
 Tudo era assustador e lindo, ele pensou que aquele sonho parecia tão incrível que não podia ser sonho. Ele nunca teve criatividade para imaginar essas coisas, sua cabeça devia ter estragado. Quando mais fundo eles iam em direção a casa de Baba, mais um escuro ficava, esporos florescente e vagalumes iluminavam o caminho como o país das fadas. O sol estava se pondo e parecia que o mundo todo estava desbotando suas cores, gradualmente até que tudo era preto e cinza. 
 Lira só parou de correr quando chegou à margem do lago negro. Ao estilo daquelas casas de bruxas nos contos de fadas, tinha apenas dois cômodos e a casa da Baba mais parecia uma cabana, construída em uma ilhota no meio do lago. O caminho de pedras fazia uma curva como um ponto de interrogação, se não tomasse cuidado iria escorregar e virar sopa naquela água e sabe -se lá o que vivia nas profundezas. 
 Com cuidado e sem correr, Lira foi bem devagar atravessar aquela água, Tristan ainda se sentia meio confuso, olhando para aqueles esporos luminosos flutuando na superfície da água, como se olhassem em um espelho para medir o quanto estavam bonitas e se deveriam brilhar mais. Um deles foi muito mais corajoso e se aproximou do seu rosto, uma sensação calorosa como se uma mão gentil e quente acariciasse sua bochecha. De pertinho, Tristan viu quatro patinhas peludas e gordinhas, olhos redondos e amarelos como faróis, suas asas translúcidas pareciam não ser suficiente para manter aquele corpinho fofo e redondo no ar. Parecia uma versão de pelúcia de de uma abelha minúscula que brilhava no escuro. 
 Ele tinha comido alguma coisa estranha hoje? 
 Isso era tão bizarro. 
 Por tudo parecia ter saído de um universo mágico de insetos? 
  – Baba! Baba! – Lira entrou dentro de casa correndo e gritando como se suas tripas estivessem saindo para fora. 
 As ervas que tinham sido penduradas para secar nas tábuas do teto tinham um cheiro de tomilho e sálvia, e em várias partes da casa os ramos de plantas cresciam como se a mãe natureza quisesse sua terra de volta e tentasse derrubar a cabana. 
 A velha senhora estava fazendo o que sempre fez,  estava sentada no chão de pernas cruzadas, ela tinha uma grande bacia de porcelana branca no colo, cheia até a borda com a água do lago, escura como tinta e não se podia ver o fundo. Baba sempre olhava com total concentração, mas quando jogava a água de volta no lago, seus olhos estavam cheio de decepção. 
 Quando ela ouviu os gritos, Baba se levantou com um pulo, abandonando a bacia no chão do quarto correndo para a porta da cozinha. 
 Nessa hora , Tristan estava para chegar na fronteira entre sonho e realidade, seus olhos estavam turvos como se estivessem cheios de água, não,  o lugar todo parecia debaixo d'água. Quando Baba estava entrando, pouco antes dele desmaiar, Tristan viu coisas que pareciam agulhas longas e pretas saindo das costas magras da Baba. 

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⏰ Última atualização: Jul 03, 2020 ⏰

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