Capítulo Único

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Um de nós


If God had a name what would it be?

And would you call it to his face?

If you were faced with Him in all His glory

What would you ask if you had just one question?


Yeah, yeah, God is great

Yeah, yeah, God is good

Yeah, yeah, yeah-yeah-yeah


What if God was one of us?

Just a slob like one of us

Just a stranger on the bus

Tryin' to make his way home?


(One of Us – Joan Osborne)

            Era fim de tarde quando Deus entrou no ônibus. Gotas pesadas e esparsas de chuva lutavam em vão para refrescar o calor, mas era tarde demais, o sol forte do dia já tinha se encarregado de impregná-lo na pele dos que tinham ficado expostos a seu poder implacável.

            Um dia o sol já tinha sido mais piedoso. Deus podia sentir a diferença, porque recentemente tinha estado em outra era, uma em que não havia tanto concreto e poluição. Mas os homens desta era ainda não entendiam. Em sua maioria não tinham ideia do preço que seu conforto ainda lhes cobraria, mesmo que muito já estivesse sendo cobrado.

            Deus sentia pena. Seu coração, humano naquele momento, doía ao pensar nas coisas que seus filhos ainda fariam uns aos outros e ao mundo tão lindo que Ele lhes havia dado. Por causa do corpo humano que tomara emprestado naquele dia, sentia até um pouco de amargor. E raiva. Só um pouquinho, quase sutil demais para ser identificado, mas Ele sabia o que era. Tinha criado o sentimento, afinal. Era preciso para que pudesse haver a compaixão. Só se podia criar através do equilíbrio.

            Por isso, naquele dia, Deus tinha escolhido aquele humano, seu filho querido, como todos os outros, para levá-lo ao seu passeio rotineiro pela Terra. O homem, um jardineiro idoso e contemplativo, entendia a beleza da harmonia como ninguém. Suas mãos calosas, outrora mais fortes, mas ainda muito hábeis, criavam todos os dias condições para a vida nascer. A terra certa, sob a quantidade apropriada de luz e de sombra, molhada na medida exata... Era bonito como aquele filho sabia usar bem a terra que lhe sujava as unhas. E a água. Nunca de mais, nunca de menos. Apenas a quantidade certa para que lindas flores e árvores que se ergueriam frondosas brotassem do solo carinhosamente trabalhado.

            De todas as suas criações, Deus gostava especialmente da água. Era sua maneira de tocar todas as coisas. Uma pena que seus filhos fossem egoístas e que cada um a quisesse apenas para si, desconsiderando a necessidade do próximo, privando o solo dos pobres de sua dádiva. Deus havia dado aos homens a inteligência e os recursos de modo a suprirem as necessidades dos que tinham pouco, para que assim todos tivessem o suficiente. Porém, muitos dos que tinham mais do que o necessário desperdiçavam seus dons em proveito de sua ganância. Ainda assim, era necessário que a terra fosse dura e seca em alguns pontos, enquanto em outros ela era fértil e abundante.

            Equilíbrio. Não apenas no espaço, mas no tempo também. Os mares e os desertos eram fases diferentes da duração das coisas. Para os humanos e suas vidas breves era difícil de compreender. E naquela era a humanidade ainda era jovem demais. Mesmo assim, Ele gostava de olhá-la.

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