Deitado naquele sofá duro de couro, era como se eu pudesse sentir cada músculo do meu corpo dolorido pedindo por socorro. Como se já não bastasse a dor nas mãos e a tremedeira que piorava a cada dia. Eu já não tinha mais tanta certeza de que aqueles remédios faziam efeito, mas eu gostava da falsa sensação de alívio. Por alguns segundos eu me concentrava na agulha entrando entre os meus dedos, o líquido escorrendo nas minhas veias como se fosse fogo e depois se espalhando por todo o braço. Eu descobri que a pior parte de estar morrendo é não saber de fato quanto tempo você ainda tem para aproveitar as coisas leves que a vida ainda não te proporcionou. E existiam muitas coisas nas quais eu ainda não havia vivenciado. Algumas delas até me arrisco a dizer que tenho medo de viver.
Meu celular vibra pela primeira vez às 2h51 da manhã. Meu corpo leva um choque, como se acabara de ser eletrocutado. Eu sabia exatamente quem era e o que queria. Por dez anos eu evitava aquela conversa e tendo certeza de que um dia ela chegaria, temia pela dor que eu poderia causar. Algumas pessoas podem até dizer que eu não tenho coração ou que não me importo com os sentimentos dos meus amigos. Mas isso não é verdade, por dois motivos: a) eu não tenho amigos e b) as duas únicas pessoas nas quais eu realmente me preocupo eu chamo de família. Eu sempre tive uma visão meio deturpada de família, talvez porque eu nunca havia sido amado como filho. Mas tudo bem porque eu não culpo ninguém além de mim mesmo pela personalidade que eu tenho, que aliás não é odiada por todo mundo. Meu irmão costuma ser um homem de fé, sempre me dizendo que as coisas vão melhorar e que vamos achar uma cura para a minha doença, mas eu acho engraçado. Tenho certeza de que os anjos, ou seja lá quem for responsável por isso, sabe que eu mereço.
Às 2h55 meu celular vibra pela segunda vez e eu me arrisco a olhar só por um segundo. É Tatiana. Eu tinha esquecido completamente de Tatiana. Não que eu não gostasse dela ou que não a quisesse perto de mim, porque eu gostava. Mas eu não sei se eu gostava tanto dela como ela de mim, o que por sinal é uma loucura e eu devo estar ficando muito alterado por tanta substância injetável. Porque eu simplesmente não me permito amar essa mulher com todas as minhas forças e viver com ela até os últimos dias da minha vida? Ela é incrível, inteligente, engraçada, toca piano como ninguém e sabe comandar um assalto como eu jamais havia visto. Em outra vida ela seria perfeita. Mas eu não acho que seja essa, tampouco que terei outra.
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Mitocôndria - La Casa de Papel
ActionUma história que não é sobre o amor, mas como sobreviver a ele. "Ainda que seu coração quisesse se entregar 99% de corpo e alma, existia uma parte de si mesmo que definia esse 1% como uma pequena mitocôndria. Incapaz de definir todo o seu desejo. E...