notas de um momento

126 4 0
                                    

- Você sabe qual é o segredo do amor? - ela disse enquanto enrolava uma mecha do cabelo em dois dedos.

- Não sei, acho que ninguém sabe.

- Eu sei. O segredo é não ultrapassar essa linha que separa uma coisa incrivelmente mágica de mais um relacionamento rotineiro.

- Basicamente: o segredo é não se envolver?

- O segredo é não tornar algo normal. Nenhum amor resiste a rotina, nem deveria resistir.

- Quem foi que te magoou tanto?

- Eu mesma.

O silêncio fazia parte dessa conversa e eu já não tinha noção do tempo, não sabia mais o que era passado e o que era futuro.

Sua voz ecoou:

- Hoje nós estamos aqui, na cama, peladas, tendo essa conversa e pensando que talvez isso devesse durar para sempre. Parece o certo né? Mas não é. Depois um tempo a gente não vai se aguentar mais, alguém vai começar a mentir e…o resto tu já sabe.

Ela ficou em silêncio rindo sozinha, um sorriso triste de quem já viu muita coisa acabando.

E continuou:

- Todo relacionamento é igual. As pessoas se apaixonam, acham que encontraram algo especial que vai mudar a vida delas. Depois elas podem encontrar duas situações. Ou elas vão ser aquela que deixa de gostar, o que é horrível, é muito triste olhar pra alguém que te ama e não sentir mais nada. Ou, na pior das hipóteses – eu, especificamente, acho essa hipótese bem ruim – elas vão se tornar a pessoa que vai, aos poucos, percebendo que o amor do outro já não existe mais.

Por alguns segundos uma nuvem carregada emoldurou seu rosto. Rapidamente ela voltou a sorrir:

- Tu já viveu isso? Já sentiu que alguém estava deixando de te amar?

- Não. Na verdade acho que eu nunca me apaixonei de verdade

- É triste. Tem coisas que só uma pessoa apaixonada percebe e perceber que o outro não está mais apaixonado é uma delas. Exige análise dos detalhes.

- Quais detalhes?

- Ótima pergunta, senhora nunca-me-ferrei-no-amor. Os detalhes aparecem aos poucos mas não deixam dúvidas: pequenos olhares que existiam mas não existem mais, palavras que existiam mas não existem mais, uma energia que existia mas não existe mais. Simples assim.

- Então, pra não viver isso tudo, tu prefere não viver nada? - na minha cabeça não parecia tanto que eu tava implorando pra ela rever suas ideias e namorar comigo, mas, na verdade, eu estava, então não me importei em parecer exatamente com o que eu queria.

- Eu vivo. Vivo esses pequenos encontros. Sou uma louca apaixonada por várias, vários pequenos encontros. Várias possibilidades. Vários possíveis amores que nunca vão deixar de ser exatamente o que são, por isso nunca vão chegar a me machucar. Tu percebe que isso é amor eternizado? Eles nunca vão acabar, por que não viraram fatos, não são reais, são apenas projeções. Eu não preciso lidar com a verdade de um amor acabando, não preciso lidar com a burocracia que isso envolve. É mágico.

Ela levantou. Colocou a roupa devagar, lembrando dos detalhes de alguma tragédia. Eu sentei na cama sentindo que ela estava escapando pelos meus dedos e que não seria mais possível segurar, se é que em algum momento eu pude segurá-la. Resolvo vestir minha roupa também já que estou me sentindo um cãozinho abandonado sentada pelada nessa cama gigante.

Ela interrompe meus pensamentos:

- Acho que isso já foi longe demais. - A frieza na sua voz me mostra que não tenho pelo que lutar.

- Posso te levar em casa?

Ela se vira, ainda sentada na cama, sorrindo:

- Acabou. Obrigada por tudo. -  levantou da cama, caminhou o curto - e longo - espaço que nos separava e me abraçou, se despedindo. Pude sentir sua respiração acelerada e, por alguns segundos, pensei ter visto uma lágrima em seu olho esquerdo.

- Guarda essa imagem que tens de mim, vamos ser imortais uma para a outra. - me deu um beijo e saiu tão rápido que eu não pude nem reagir.

Agora, deitada nessa cama, vestida com a roupa que cheira ao corpo dela, eu entendo. Entendo tudo que ela quis dizer. Nosso romance será eterno, exatamente por não ser nada mais do que algumas noites.

notas de um momentoOnde histórias criam vida. Descubra agora