O Uivo do Tânato

Capítulo 1

102o Ano Pós-Evento, 4° Ciclo, 3a Lua, Dia de Marte.

Desde criança desenvolvi uma antena para saber quando eu estava em perigo, nas histórias que meu avô me contava sobre os antigos animais que circulavam Gaia Sul ele dizia que todos os animais tinham uma percepção para sobrevivência e que com a humanidade não foi diferente, ele dizia que desenvolvemos a intuição como sussurro do nosso espírito para prolongar nossos dias neste plano.

Não sabia se realmente todo mundo acreditava que existiam outros planos e que depois que morremos partiríamos para algum lugar melhor, só sei que precisamos acreditar nisso.

Fazia alguns dias que minha intuição me gerava um desconforto no estômago, um certo frio na barriga combinado de arrepios, e eu sabia que algo estava por vir.

Meu nome é Selene e fazem algumas luas que eu, meu pai e meu irmão estamos dividindo o bunker com a família de Lara, que já tinha se tornado minha melhor amiga neste período de tempo. Aprendemos quando criança que por cerca do 50° Ano Pós-Evento nossa comunidade cansou de brigar pelos bens e por sobrevivência e estabeleceu O Coletivo, uma gestão organizada em que compartilhamos o poder de tomada de decisões, estabelecemos a divisão assertiva dos nossos bens e planejamos equipes para as tarefas, assim como estabelecemos que dividíssemos o bunker com outras famílias pelo tempo que fosse necessário, e seguro.

O Coletivo é a administração que estabeleceu-se após os 50 anos de anarquia, nos dividimos em coletivos menores que se comunicam por rádio-satélite. Em Gaia Sul, região a qual eu nasci, existem 3 Coletivos: o Águia, o Macaco e o Lobo; nomeados de animais que existiam antes do Evento. Não temos notícias de outras pessoas das demais regiões de Gaia, elas se distanciaram após os 50 anos de anarquia e migraram-se para longe e permanecendo incomunicáveis. Tentamos estabelecer um equilíbrio no número de pessoas entre os três coletivos, mas todos são livres para ir e vir... por mais que eu nunca tenha visto alguém ir ou vir pela sua própria vontade e escolha. Em cada coletivo existem cerca de 40 famílias, eu e minha família fazemos parte do Coletivo Águia.

Os bunkers são grandes estruturas no subsolo, interligados entre si, sem janela ou muita aeração e com tetos reforçados para nossa proteção. Contam que eles foram construídos pelos nossos ancestrais para sobreviverem durante O Evento, existem cerca de 20 bunkers por determinada área e chamamos o conjunto de colmeia. Precisamos compartilhar porque primeiro necessitamos permanecer juntos e segundo não há bunkers para todos no mesmo raio de distância. Os exploradores acham e mapeiam todas as colmeias, assim como alimentos e bens e o tempo que passamos em cada colmeia dependerá do tempo que leva para os Queres nos acharem, vivemos em fuga.

No meu 5° ano de vida conseguimos um bunker só para nós antes do remanejo de equilíbrio, naquele ano morreu muita gente mas nunca fiquei sabendo o porquê, apenas sei que foram 8 luas de privacidade e silêncio até que precisássemos sair por causa dos Queres. Queres e Tânatos são os espíritos que vagam à noite em busca de comida, ninguém sabe ao certo a origem deles, apenas que esses animais noturnos apareceram após O Evento e por causa deles não podemos sair enquanto o Sol não reina no céu.
Os Tânatos são animais silenciosos e terrestres, quando entardece e o céu está laranja já podemos escutar seus uivos vindo das matas, cada vez menos distantes, e sabemos que é hora de nos recolhermos para dentro dos bunkers. Ao contrário dos Queres, eles não vão atrás de nós, ao menos que estejamos para fora da segurança do nosso lar temporário. Já os Queres são animais violentos, alguns possuem asas e outros não, podemos escutá-los escalando o teto dos bunkers à noite, procurando brechas para invasão enquanto farejam o nosso cheiro. Faz 2 anos e 5 ciclos que um Queres invadiu o bunker em que meu avô estava e o matou.

No tempo que eu passei nessa atual colmeia, eu, Lara que tinha a minha idade e Jano seu irmão que era dois anos mais novo, saímos todos os dias. Jano tinha uma sorte fora do habitual, sempre o levávamos junto quando íamos procurar velharias.