Realidade

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    Acordei assustado. Suando frio e com a respiração ofegante. Sentei na cama pra me acalmar. Os lençóis e o travesseiro estavam suadíssimos. A escuridão do quarto era totalmente opressora. Não me sentia bem sozinho ali.

    Olhei no relógio de pulso que repousva sobre o criado mudo e eram 4:28. Levantei da cama, totalmente perdido no quarto. Estendi os braços pra frente, ajudando na localização. Achei o interruptor e acendi a lâmpada. 

    O violão estava encostado na cômoda. Seus trastes reluziam a luz amarelada da lâmpada do quarto. Sua cor preta lembrava os olhos da mulher do meu sonho. A sensação das facas ainda me dava medo. Olhei ao redor do quarto e tudo estava ótimo. Meus livros todos no mesmo lugar, meu ventilador no máximo e a janela entreaberta pra refrescar um pouco mais. Troquei a roupa da cama e resolvi sair do quarto.

    Abri a porta e fitei o corredor que se estendia quase infinitamente a minha frente. Nunca gostei de ter um quarto no fim do corredor, mas sempre foi meu, então já havia me acostumado a ele. Toda aquela distância, que na realidade era muito pequena, mas na minha mente no momento se fazia gigante, se jogava pra cima de mim e me trazia a mesma sensação sentida no momento do sonho. 

    De uma maneira ou outra eu devia enfrentar o medo que sentia. Tomei coragem e dei o primeiro passo. Logo alcancei a porta do banheiro. Acendi a luz e tranquei a porta. Encarei-me no espelho. O cabelo estava todo desarrumado e molhado. Minha camiseta estava no mesmo estado, toda amassada e molhada. Deixou seu tom cinza mais claro e passou a um cinza escuro nas regiões onde eu tinha suado mais. Tirei a roupa e entrei no banho. Água gelada sempre me acalmou e agora, mais do que nunca. 

    Sai do banho e me enxuguei, enrolei a toalha no corpo e fui pro quarto. Coloquei somente um shorts e me deitei. O relógio já marcava 4:42. Logo ele despertaria pra eu acordar e me arrumar pra sair com meu pai. Íamos à antiga casa de meu vô, que há pouco tempo havia morrido, para pegar algumas coisas que ficaram pra nós. Fiquei esperando até ele tocar, lendo O Pequeno Príncipe. O livro que eu adotei como o livro que eu leria todas as vezes que não conseguisse dormir.

    Quando eram 5:00, o despertador tocou. Levantei e fui comer alguma coisa. Tomei uma xícara de café e comi 2 fatias de pão com nutella. Logo meu pai se levantou também.

    - Bom dia filho! - disse ele com um belo sorriso no rosto.

    - Bom dia pai! - eu disse tentando esboçar um sorriso que não deu certo.

    - Aconteceu alguma coisa com você? Está pálido e ouvi você tomando banho super cedo. - perguntou ele, querendo me ajudar.

    - Só tive um sonho ruim, pai. Nada de mais. Fiquei muito assustado. - respondi sinceramente.

    - Logo passa então. Se arrume pra sairmos. A viagem não é muito curta. 

    Terminei de comer e tomei outro banho. Liguei o rádio e comecei a ouvir minha playlist favorita, apesar do nome que não expressava isso, "random shit", com letra minúscula mesmo. Psicologicamente me preparava para a viagem de uma hora que faríamos.  Depois que minha tia morreu na estrada, eu precisava me preparar muito antes de sair. Tinha um medo enorme de sair na estrada, mas tudo daria bem.

    Quando eram 6:02 saímos de casa. Só nós dois no carro, ouvindo música e conversando. 

    - Como foi o sonho que você teve que te deixou tão abalado assim? - disse meu pai.

    Contei a ele, apesar de já ter esquecido alguns detalhes, mas contei o necessário. Só omiti a parte da mulher, que era o final do sonho. Ele falou algumas coisas sobre os medos de sua infância e logo chegamos na casa do meu vô.

    Entramos e encontramos um cenário não muito feliz. As coisas estavam todas encaixotadas, com os nomes dos meus tios nas caixas. A casa, de madeira, bem antiga, parecia sentir a tristeza de todos que entravam ali. Meu pai começou a chorar e eu também. Nos abraçamos em um gesto de conforto mútuo. Ele colocou a caixa dele no carro e entrou na casa, onde eu estava olhando alguns movéis, e ficou ali por um tempo.

    Fui pro quarto onde meu vô passava a maior parte de seu tempo, acho que puxei esse costume dele, esse e o da leitura. Alguns exemplares de livros antigos, principalmente do Júlio Verne, seu escritor preferido, estavam na prateleira que ficava de frente pra cama. Separei alguns pra poder perguntar pro meu pai se podia ficar com eles. Continuei olhando pelo quarto. Parei de frente a um espelho que me lembrava minha vó, que já havia falecido há alguns anos antes. 

    Encarei-me, com meus óculos, cabelo penteado pra lado, quase igual o do meu vô e a camiseta preta lisa de costume. Meus olhos estavam meio caídos, estava com muito sono e ainda tinha chorado. Continuei ali, olhando pra mim mesmo, um momento totalmente narcisista. Até que algo tirou minha atenção de mim mesmo, mas me fez focar em outro lugar do espelho. 

    Por cima do meu ombro estava o rosto da mulher de meu sonho, sua mão repousava sobre meu ombro, eu sentia seu toque gelado de gente morta. Ela olhava para meus olhos no espelho com suas órbitas vazias. Sentia minha alma enfraquecendo. Sua boca abriu e ela soltou um grito. Não acreditei que aquela mesma voz suave que eu tinha ouvido no sonho tinha se transformado naquilo. 

    Cai no chão e comecei a chorar de medo. Meu pai veio correndo e me perguntou o que tinha acontecido. Eu expliquei, dizendo que a mulher do meu sonho, que agora ele descobriu que estava lá, tinha vindo à  minha mente enquanto eu estava acordado. Contei a ele que inclusive senti seu toque e ele me disse que não era motivo de preocupação.

    Ele me autorizou a pegar os livros e então, fomos pra casa.

    

    

   

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⏰ Última atualização: Dec 30, 2014 ⏰

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