Capítulo I

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Um voo pousou no aeroporto logo no início da manhã. Enquanto observava a alvorada do lado de fora, um garoto sentado à janela se espreguiçou, retirando seus fones que desprendiam uma melodia tranquila. Ele pensava nas coisas que deixou temporariamente para trás, mas não sentiu falta da maioria. Enquanto desembarcava para encontrar seu irmão mais velho, devaneava se nessa nova cidade conseguiria deixar para trás aquela parte de si que não gostaria que existisse.

Ao chegar em sua nova casa, Juan desfazia demoradamente suas malas, sem de fato ter trago muitas coisas além de roupas. O quarto separado para si pelo seu irmão, gozava de um espaço razoável e era sumariamente estéril. As paredes possuíam um tom cinza claro, exceto um lado, branco texturizado; A cama de solteiro se encostava à parede em um dos cantos, com uma cabeceira preta acolchoada, e ao lado desta, pendia uma mesinha com um despertador digital. Do outro lado do quarto, havia uma mesa preta que dispunha apenas de uma luminária, e também notou um guarda roupa simples.

O esforço implementado ali era palpável, tudo pensado em seu conforto, por isso Juan se acometia de culpa por sentir o local tão gélido em relação ao seu reconfortante quarto, há mais de 1.500 km dali.

Não era como se alguém o houvesse obrigado a isto, a ideia partira de si, e ele mesmo decidiu se mudar para junto de seu irmão mais velho, Diego, visando continuar sua graduação em uma instituição que de fato poderia lhe fornecer base.

– Eu fiz risoto de queijo, já quer almoçar? – Diego despontou na entrada do quarto, lhe dando um susto que Juan soube esconder bem.

Ambos eram bem parecidos, de descendência latina, com cabelos e olhos castanhos e a pele morena. A diferença permeava-se nas maçãs do rosto mais quadradas e firmes de Diego, a barba e cabelo bem aparados de forma elegante e beirando a formalidade, mesmo sem querer, sendo que o mais novo possuía cachos rebeldes que insistia em cortar raramente, cílios grandes e algumas sardas salpicando-lhe as bochechas. Perto do outro, realmente parecia uma criança, apesar de já ter passado dos vinte e ser, modestamente, bem alto.

Enquanto almoçavam, falavam com nostalgia da casa de seus pais, mesmo que há poucas horas um deles ainda morasse lá, e sobre a admissão na faculdade e o início das aulas.

Juan não conseguia identificar muito bem o que se passava consigo, parecia que estava empolgado com toda essa mudança, mas ao mesmo tempo reprimia esse sentimento, fingindo não ter expectativa alguma, enganando a si mesmo descaradamente.

Pelo resto do dia, organizou suas coisas, descansou e arrumou os materiais para ir à faculdade naquela mesma noite, já que as aulas para os calouros haviam iniciado no dia anterior, ao passo que provavelmente, a matéria teria início.

Quando deu o horário, seu irmão lhe emprestou o carro e Juan dirigiu até o local onde seguiria com os estudos a partir de então. Após estacionar, parou em frente ao prédio extenso, suspirou e seguiu em frente, entrando no ambiente bem iluminado e frio. Reparou que várias pessoas estavam ali, conversando e seguindo o caminho para as próprias classes, ou simplesmente sentadas lanchando, sem vontade de se levantar.

Em seu celular, verificou a sala a qual deveria ir. Subiu as escadas para o terceiro andar e parou em um corredor, verificou novamente o celular para conferir a sala antes de entrar e o guardou na mochila.

No mesmo instante, alguém colidiu contra si, fazendo com que caísse sentado no chão. Obviamente, aquilo o deixou tão nervoso quanto qualquer um ficaria, de modo que sem ao menos entender a situação, falou alto e grosso com quem o havia derrubado, também ao chão.

– Porque não olha por onde anda, seu filho da puta!

Olhos azuis o encararam durante 1 segundo, mas se voltaram pra trás imediatamente quando foi possível ouvir o barulho da borracha de alguns pares de tênis correndo contra o chão liso. O garoto, dono do profundo par de olhos azuis, tentou se levantar, mas um cara enorme chegou até ele, o levantou pela gola de sua blusa e o forçou contra a parede, sem a mínima delicadeza.

Dois outros caras de tamanho semelhante aguardavam atrás, sorrindo com presunção e provocando com palavras que não valeria a pena mencionar. Juan pôde apenas olhar enquanto o garoto foi jogado contra a parede recebeu um soco no estômago, que o fez desmoronar imediatamente no chão.

– E você achando que tinha acabado, pobrezinho... – Disse o agressor, já dando as costas. Um de seus amigos, ao passar, se apoiou na parede e deu um chute na canela do garoto, que grunhiu e se encolheu.

Se foram tranquilamente. Juan olhou ao redor e algumas pessoas cochichavam, mas essa área estava relativamente vazia e ninguém fez nada. Assim, ele mesmo se aproximou, sem saber muito bem como ajudar.

– Ei, você está bem? Quer que eu o leve à enfermaria? – falou, encostando no garoto que havia se sentado para ajudá-lo a se levantar. Mas fitando-o com olhos selvagens e felinos, parcialmente cobertos pelos fios negros de seu cabelo, o garoto deu um tapa na mão que lhe foi estendida.

– Me deixa em paz. – Foi tudo o que disse, se levantando com dificuldade e mancando ao longo do corredor.

Quando Juan saiu do estado torpe em que se encontrava e se levantou, percebeu no chão um celular, e quando o pegou, a tela estava quebrada. Suspirou com alívio ao perceber que não era o seu, mas isso significava que era daquela outra pessoa. Para a sua satisfação, ao apertar o botão do celular, a tela de bloqueio mantinha como fundo uma foto do dono. Assemelhava-se a um modelo profissional, não sorria, estava sentado mexendo em seu cabelo e olhando diretamente para a câmera.

Um arrepio passou pela espinha de Juan e ele guardou o aparelho na mochila, pensando que definitivamente encontraria de novo aquele garoto de olhos felinos.

Não esperava ele que sua previsão seria tão certeira. Enquanto já estava em sua sala, copiando a matéria que o professor explicava assiduamente, a porta se abriu, o garoto que entrou pediu licença ao professor num sussurro, com passos silenciosos foi até uma fileira do outro lado da sala e se sentou, disfarçando que estava mancando.

Ninguém pareceu sequer ter notado sua presença.

– Ei... – Murmurou Juan para o colega ao seu lado, que o havia recebido bem logo de início. – Quem é esse garoto que entrou agora?

Seu colega lhe dirigiu um olhar significativo.

– Você deveria ficar longe dele. – disse simplesmente, se dirigindo ao seu caderno sem a intenção de comentar mais nada.

– Mas... porque diz isso?

No mesmo instante, o professor se dirigiu a turma pedindo que parassem a conversa paralela, de modo que Juan suspirou e foi obrigado a deixar o assunto para outra hora. Era de sua pretensão entregar o celular para o garoto assim que tivesse a oportunidade, mas sem que ele pudesse perceber, em algum momento o outro havia deixado a aula e não retornou para o segundo tempo.

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