Capítulo único

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Eu o via todos os dias na biblioteca.

A princípio eu só ia procurar um exemplar mais antigo de um livro, mas então ele apareceu... Sempre nos mesmos horários, contemplando os mesmos livros - como se esperasse que um dia algum livro novo fosse aparecer de repente. Então, depois de um tempo, ele pegava um livro da mochila e sentava-se para ler.

Desde então, passei a frequentar a biblioteca com mais frequência, mas nunca tive coragem de falar com ele. Duas coisas me impediam: a vergonha e a falta de assunto. Estávamos em uma biblioteca, sim, eu poderia falar de mil livros diferentes; mas por ser um lugar que se deve fazer silêncio, não deveríamos conversar, pois há pessoas ali querendo realmente ler, estudar e se concentrar. E o que eu poderia dizer?! "Oi, te achei muito fofo e decidi vir aqui todos os dias só pra te ver, mesmo sem saber seu nome". No mínimo, ele me acharia um stalker louco e nunca mais voltaria ali.

Eu mesmo já me acho um stalker louco, mas enfim.

Era um desses dias e estava bem quente do lado de fora, então fui salvo pelo ar condicionado da biblioteca. Eu estava distraído andando no corredor e ao mesmo tempo tentando observá-lo "discretamente" quando tropecei em uma pequena pilha de calhamaços que estava na esquina de um corredor e outro, levando comigo minha dignidade (e pelo menos três livros da estante, ao tentar me segurar), ao chão.

Quase não quis me levantar e continuar no chão quando vi o all star preto dele vindo em minha direção. A vergonha me consumia de uma forma que eu não conseguia nem colocar em palavras. 

Se levantasse muito rápido para poupar a humilhação, ficaria com tontura e cairia de volta no chão, o que seria duas vezes pior. Mas, se eu continuasse no chão... Bem, seria um tanto estranho. Optei por me ajoelhar e pegar os livros que eu havia derrubado antes de enfim me levantar e conseguir encará-lo com o resto de dignidade que me faltava.

– Você está bem? – Ele perguntou, claramente segurando o riso. Idiota.

– Ah, estou, obrigado. Algum desavisado deixou uns livros no chão e eu acabei tropeçando. – Respondi colocando os livros de volta na estante e tentando, sem sucesso, esconder o rubor nas minhas bochechas.

– Acidentes acontecem. – Disse ele. "Ah, mas você jura?" pensei, mas não respondi nada, apenas dei um sorriso sem graça. – A propósito, sou o Edu. – Ele estendeu a mão e eu limpei o suor disfarçadamente na calça jeans antes de apertar.

– Eu sou o Victor.

– Prazer em conhecê-lo. – Ficamos em um silêncio meio desconfortável enquanto eu fingia que lia a sinopse de um livro que ainda estava na minha mão pra disfarçar a vergonha. "O Amante do Tritão". Que tipo de título é esse?! 

– Bem, tome mais cuidado na próxima vez – Ele disse enfim, rindo de um jeito sem graça. Engoli a vontade de revirar os olhos e ri junto. – Espero que encontre o livro que procura, já que vem aqui todos os dias. – "Mal sabe ele que o que eu procuro está na minha frente", pensei.
Ele enfiou a mão no bolso e deu de ombros. – Se precisar de mim sabe onde me encontrar. – Falou por fim, apontando com a cabeça a mesa onde ele sempre se estava e voltou a se sentar como se nada tivesse acontecido.

Demorei três segundos para digerir que a) eu havia falado com o meu crush, b) meu crush na verdade se chamava "Edu", c) ele havia prestado atenção em mim antes e d) ele havia, claramente, flertado comigo na maior cara de pau. E eu só fiquei parado ali enquanto as engrenagens do meu cérebro tentavam girar novamente.

Depois daquele dia, com certeza voltei a livraria mais vezes. E, assim como eu, descobri que Edu não estava realmente ali pelos livros. 

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