Conto

49 4 0
                                    

A coisa que caiu na Abadia

Obra constituída por uma série de anotações perdidas feitas pelo "'cavaleiro imortal' Robert Eriksen Loxily de Northampton", durante e após o suposto Incidente de Monte Saint-Michel, em janeiro de 1349.

Uma anotação perdida de Robert E. Loxily, traduzida e compilada por Sofia Amélia Rêgo D'Andrea.

Nota de aviso do compilador:

Todos os homens estão presos ao seu próprio tempo. Os personagens deste conto não são exceções. Suas opiniões, muitas vezes, machistas e homofóbicas e por vezes, racistas, representam a sociedade em que estão inseridos, no caso, a medieval tardia. E pessoalmente, não concordo, tão pouco encorajo, tais pensamentos ou atitudes. Entretanto, isso aqui é a retratação infiel de um tempo passado e se o(a) leitor(a) não identificar nenhum desses problemas, recomendo autorreflexão.

No 1331.º Anno Domini, houve o surto de uma doença mortal na China, uma vez que a mesma sofrera com desastres naturais, fome e a recente conquista de seu território pelo Império Mongol. Tal doença viajou, como um fiel cão ao lado de seu dono, pelos comerciantes da Rota da Seda. Deixou pilhas de corpos na Índia, Grande Tartária, na antiga Mesopotâmia, e nos Impérios Bizantino e Turco-Otomano antes de finalmente alcançar nossa morada em 1346.

Entre 46 e 47, tínhamos coisa mais importante para a se fazer, como a Grande Guerra entre a Casa Plantageneta da Inglaterra e a Casa Valois da França. Somente Deus sabe até quando esta guerra iria durar. Mas que enquanto durasse, que viessem mais vitórias, seja no mar, seja na terra, como estamos tendo desde seu início em 37. Para isso, devemos agradecer a dois homens: o sábio rei Edward III de Windsor e o estrategista "príncipe negro" Edward de Woodstock.

Bom, mas chega de exaltação do reino, eu mesmo me entedio com isso, às vezes. De qualquer forma, nós ignoramos a doença, e agora ela apunhala todos os dias os nossos corações. Em questão de meses, a, assim chamada, Peste Negra passou de algo que riríamos sobre, tomando um caneco de cerveja na taverna com os amigos, para vilas inteiras ser tornarem um mar de fantasmas. E passado mais um ano desse inferno, nada mudou e as mortes se banalizaram, devido seu número que definitivamente já passou dos milhares. Se fosse um padre, não um cavaleiro, saberia com mais exatidão os números. Mas o que são apenas números para as pessoas que perderam seus entes queridos?

Em 1º de dezembro de 1348, recebi uma carta de meu querido Grão-Mestre, Augustus Atratini. Demandava minha presença imediata na sede de nossa Ordem, na Fortaleza Sagrada, em Coira.

Esta cidade se localiza na Confederação Suíça, um dos inúmeros Estados que integravam o Sacro Império Romano Germânico. E serviu de base para nossa Ordem desde a 2ª Guerra Decaída. Não poderia recusar o chamado do dever. Seria banido, ou pior, caçado se não o fizesse. A única pista que ele me dera se referia a uma pedra que caiu do céu e acertou uma abadia no noroeste da França, não entendi absolutamente nada.

Faço o mesmo trajeto de Northampton a Coira, desde que entrei à ordem e nunca tive problemas. Dessa vez, não foi diferente, uma semana de barco para atravessar o Canal da Mancha e um mês a cavalo. Com longos intervalos noturnos nas tavernas das cidades do caminho e diurnos ao lado da estrada, com uma fogueira ao meu pé e a companhia de algum estranho viajante.

Chegava na, assim chamada, "mais antiga cidade da Suíça", no dia 31 de dezembro, exatamente um mês depois de receber a carta. Nunca pisava os pés em suas entranhas. Em verdade, confesso que nunca entrei nela. Sempre passava batido e cavalgava direto para a Fortaleza.

Se Coira estava a seiscentos metros acima do mar, a Fortaleza Sagrada de certo já passava do primeiro quilômetro. O caminho era tortuoso e íngreme pelas montanhas nevadas, mas minha fiel égua, Boudiceia, tinha a força de vinte homens. Uma estrada clivolosa não era o problema. O frio, principalmente numa tarde de inverno, que era. Não tinha trazido roupas suficientes para me cobrir, visto que teria de ir para a tal abadia na França, onde frio seria o menor das preocupações.

A coisa que caiu na AbadiaOnde histórias criam vida. Descubra agora