Santo banho de chuveiro

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POV Liz Gillies

Eu não conseguia acreditar em mim mesma quando abri a porta do meu carro pra nóia entrar.

O tempo que eu levei pra dar a volta na frente do carro foi o bastante pra que o fedor da garota impregnasse os bancos de couro do meu Camaro preto.

Xingando a mim mesma eu segui pra casa, mas eu nunca voltava atrás em minhas decisões e agora não seria diferente.

-Você tem documentos? - Perguntei pra garota.

-Tenho.

-Porque mora na rua?

-Porque isso te interessa?

-Não faço a menor ideia. - Digo tão baixo que não sei se ela ouviu.

Cheguei no meu prédio e estacionei em uma das minhas quatro vagas, anotando mentalmente de mandar que lavassem o Camaro antes de eu o usar de novo.

A viagem de elevador foi outra tortura, trinta e quatro andares, eu moro na cobertura, com aquela garota fedendo ao meu lado.

No momento que descemos no meu apartamento a boca da garota se abriu.

Ela me olhou incrédula.

-Olha. - Começou ela ainda meio boba olhando o apartamento. - Você já livrou a minha cara. Pode me deixar ir embora sem essa farsa de casa e emprego tá?

Ela foi se dirigir ao elevador e eu segurei seu braço.

-Escuta bem, não tem farsa nenhuma. Eu cumpro o que eu falo, você vai trabalhar comigo e vai morar aqui. Se acostume. Agora vai tomar um banho porque você tá fedendo.

Eu soltei o braço dela e ela ficou me olhando.

-Seu quarto vai ser no final desse corredor. - Digo apontando. - Não se preocupe com a água quente, leve o tempo que precisar pra ficar limpa. Eu te levo roupas lá.

Ela tirou a bolsinha pequena que usava e jogou encima da mesa, quase gemi com a sujeira do acessório. Assim que ela saiu tirei tudo de dentro da bolsinha, documentos, algumas moedas e vários pinos com cocaína.

Joguei a bolsa e as drogas no lixo e fui olhar os documentos.

Ariana Grande-Butera. A garota da foto era bem mais bonita do que essa que se encontrava em meu apartamento.

Ouvi o barulho do chuveiro e fiquei aliviada, pelo menos ela estava mesmo tomando banho.

Eu teria que comprar roupas novas pra ela, as minhas vão ficar muito grandes, mas pra essa noite achei um moletom e uma calcinha ainda na embalagem. Sempre há várias peças de roupas novas na minha casa.

Entrei no quarto da garota, as roupas dela estavam no chão, sem nenhuma cerimônia ou sequer verificar os bolsos joguei tudo no lixo. Deixei as roupas encima da cama.

Tirei os saltos e fui pra cozinha.

Todo mundo acreditava que eu era do tipo que tem empregada, mas eu sempre gostei de cozinhar, fazer minha própria comida.

Também não tenho uma faxineira, meu apartamento fica limpo por eu quase nunca estar aqui. Uma diarista vem uma vez por mês fazer faxina e é o bastante.

Fiz mais comida do que normalmente, imaginando que a garota esteja com fome.

Arroz, bife e salada. Ela não vai ter do que reclamar.

Fui pro meu quarto e tomei meu banho, rápido. Vesti meu pijama, uma calça de moletom e uma regata. Normalmente eu não me importaria de por roupas, gosto de andar só de lingerie em casa, mas agora eu tinha uma hóspede.

Quando cheguei novamente na cozinha eu já não ouvia o barulho do chuveiro.

Aguardei e ela finalmente saiu do quarto.

Confesso que por pouco não babei. Ela era linda sem aquela camada de sujeira no corpo.

Seu cabelo, limpo e escovado, batia abaixo da cintura e tinha um belo tom de castanho.

Sua pele era branca, queimada de sol, bonita. Seus olhos castanhos eram lindos e brilhantes agora sem as pupilas dilatadas pelo uso de drogas.

O meu moletom lhe batia nas coxas. Seu corpo era pequeno, mas muito bonito. Senti algo estranho no peito, algo que eu não sabia definir.

O santo banho de chuveiro tinha transformado aquela mendiga numa princesa.

Não deixei nada transparecer, não era do meu feitio.

-Amanhã vamos providenciar roupas pra você. - Digo em tom claro e dominante. - Sapatos também. E dar um jeito no seu cabelo, cortar na altura dos ombros talvez.

-Ninguém vai cortar meu cabelo. - Diz numa raiva repentina. - Eu entro na droga do seu joguinho de boa samaritana, mas ninguém vai cortar meu cabelo.

-Ok. - Digo sem me permitir alterar. - Mas uma escova e uma hidratação então. Venha jantar.

A raiva sumiu de seus olhos no momento em que lhe ofereci comida.

Eu imaginei que ela atacaria as panelas e comeria como uma selvagem, sem se importar com nada além de sua fome. Pra minha surpresa ela teve muita educação e postura na mesa.

Essa garota tinha sofrido alguma coisa sim, mas era claramente de família. Não consigo imaginar o porquê de alguém assim ir parar na rua.

Conversamos um pouco sobre o que ela iria fazer como minha secretária e ela mostrou não só uma eloquência como um certo conhecimento.

-Você estudou garota?

-Você pode me chamar pelo meu nome por favor? - Pediu até que educadamente.

-Certo. Você estudou Ariana?

-Eu não terminei a escola, fiz só até o primeiro ano do ensino médio. Fiz alguns cursos ainda no fundamental, sempre tive facilidade em aprender.

-E como você foi parar na rua?

-Não quero falar sobre isso.

Fiquei encarando enquanto ela comia, apesar dos modos e da boa educação ela estava com fome e comeu bastante.

-Vamos providenciar pra você terminar os estudos também. Quem sabe até faculdade.

-Porque você está fazendo isso? Você não tem obrigação nenhuma comigo e sinceramente não tem cara de alguém com cisma de filantropia que tira gente da rua.

-Não sou filantropa. - Digo surpresa por ela conhecer a palavra. - Eu dei minha palavra que vou te dar casa e emprego e vou fazer isso.

-Mas porque?

-Isso interessa?

-É minha vida afinal.

-Não importa. Apenas vou cumprir com a minha palavra.

Terminamos de jantar e eu me levantei indo pra pia. Nunca deixava louça para o outro dia, afinal eu saía muito cedo.

Pra minha surpresa ela logo estava ao meu lado, colocando as outras louças ali.

-Eu lavo. - Diz baixo.

Agora que tinha tomado banho, sua pele tinha um cheiro agradável, meio floral que nada tinha haver com o sabonete.

Dei espaço e sequei e guardei a louça enquanto ela lavava.

Terminamos e por fim voltamos pro corredor.

-Eu acordo às seis e você a partir de agora também.

-Ok.

-Não tolero atrasos.

-Ok.

-Boa noite Ariana.

-Boa noite Elizabeth.

A forma como ela disse meu nome me causou um arrepio, que eu ignorei indo pro quarto.

Ao deitar pra dormir, fiquei pensando no que eu fiz. Porque dei abrigo e emprego a uma desconhecida.

Talvez eu devesse ter pensado melhor, mas agora já estava feito.

Coração RoubadoOnde histórias criam vida. Descubra agora