Capítulo 2- Há males que vem para o mal

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- Aleeeeexxx!!! - aquela entonação na parte final do meu nome soando tão estridente às 6 da manhã era inconfundível, Jane estava na área. Fico questionando: como uma pessoa acorda tão saltitante? E mais: como consegue ser tão bem humorada logo cedo?

Ainda tentando entender/aceitar tudo que estava acontecendo, só consegui enxergar os longos cachos dourados de minha melhor amiga cruzando a cozinha em minha direção.

-Quer café?  - é o máximo que consigo dizer a essa hora da manhã.

Ela disse que aceitava enquanto colocava sobre a mesa alguns pães e leite. Quando eu falo que ela está sempre cheia de coisas, inclua-se comida nisso.

- Estou tão empolgada que vamos fazer isso juntos. Marcus não queria muito, custei convencê-lo. - sorri pra ela meio desajeitada com a xícara em direção a boca e pensando em como ela conseguia ser terrivelmente convincente quando queria - Mas tenho certeza de que vai ser uma viagem memorável para todos nós - nisso ela estava totalmente certa.

- Amor, já coloquei as malas no carro. Quando estiverem prontas, nós vamos- disse Chris enquanto me dava o nosso clássico beijo de olho. E logo atrás dele Marcus me cumprimentava ao longe com um sorriso e passava as mãos na cintura de minha amiga. Nesses momentos eu percebia o quanto ela parecia baixa ao lado dele. Na verdade ele que era alto demais, sempre foi o mais alto do grupo.

Eu sei que tudo começa a dar errado quando já vamos cheios de energias negativas. E se tinha uma coisa que eu carregava naquele momento era negatividade. Eu adoraria viajar entre amigos, não é algo que odiaria fazer. Mas queria aquele momento só para nós dois. Ao mesmo tempo sabia que poderia terminar gostando disso assim mesmo. Afinal há males que vem para o bem. Não que meus amigos sejam os males, mas acredito que entendam o que quero dizer. 

Vinte minutos depois estávamos os 4 na calçada. Os homens bancando os mochileiros da estrada em torno de um mapa. Eu me questionando quem precisa de mapa quando já inventaram o GPS. E Jane ao meu lado empolgada como uma escoteira que vai vender biscoitos para desbancar o grupo rival. Tentei ao máximo não transparecer meu descontentamento, já tinha decidido que me jogaria de cabeça e não deixaria isso abalar nossas férias. No fundo sabia que era uma tremenda sacanagem do destino fazer com que nossos melhores amigos também estivessem disponíveis. Marcus, por incrível que pareça, era dono do próprio negócio: uma garagem de venda e aluguel de veículos. Enquanto que Jane havia sido despedida mais uma vez e fora obrigada a voltar a trabalhar com o  marido. Não importava quantas vagas ela conseguia, sempre achava um jeito de ser despedida. No fim ela nem precisava mesmo, acho que ela só fazia isso para se ver livre por algumas temporadas do convívio 24 horas com Marcus. Nesse ponto entendo ela muito bem, por mais que eu ame passar  dia olhando a pele corada do Chris ou apalpando seus braços e enroscando os dedos em seus cachos curtos e enrolados,  certamente eu surtaria e nosso casamento chegaria ao fim se tivéssemos que dividir os mesmos espaços durante o dia todo.

Pelo menos cada casal no seu carro, esse era meu alívio. Quem sabe assim poderia rolar uma mão boba. De repente minha cabeça sumiria um pouco da janela do carro. Eu fui tentando imaginar o que poderia fazer dentro daquele carro antes mesmo de adentrá-lo.

-Certo, então vamos passar no posto de gasolina, abastecer, comprar água e que mais precisar- pontuou Marcus fazendo interromper meu sonho erótico - sem esquecer de calibrar os estepes também.

-Bem lembrado, cara! - concordou Chris- já faz um tempo que não usei o estepe, certamente ele precisa de uma revisada.

-Então já podemos seguir? - perguntei num misto de falsidade e curiosidade.

- Isso vai ser tão empolgante que não vejo a hora. - sussurrou Jane ao meu ouvido,  me fazendo relembrar dos meus desejos eróticos com Chris.

- Com toda certeza, amiga!- rimos uma para a outra, porque em pensamento já nos conectamos e conversamos sobre o mesmo assunto. Só uma amizade de 15 anos permite isso sem parecer uma adolescente que acabou de descobrir o sexo muito menos com uma atriz de filme de pornô sem muito sentido.

O carro dos pombos de praça, era assim que nós chamávamos Jane e Marcus, história de quando se conheceram, longa demais para contá-la agora,  saiu na frente. Poucos minutos depois, os seguimos.
Conforme combinado, paramos no posto da saída.  Quando chegamos lá Jane já vinha com um fardo de água mineral em uma mão e um salgadinho Cheetos de queijo na outra. Eu sempre detestei àquele cheiro de chulé que fica no ar quando abrem esse pacote, mas sempre acabava comendo. Jane dizia que o segredo é você começar a comer primeiro que assim o cheiro não vai incomodar você e  sim a pessoa ao seu lado. E a danada tinha razão.

-Miga, já comprei a água,  se precisar compre só mais alguns petiscos para vocês. Afinal vamos parar naquela pizzaria pro almoço, certo?

Pizza de beira de estrada era tudo que eu mais queria naquele momento. E eu não estou usando do sarcasmo. Eu realmente amo essas pizzas com massa que lembra mais pão do que qualquer outra coisa.

-Claro que vamos, só vou comprar um Halls Preto para no caso de sentir enjoos - piscamos uma para outra, pois sabíamos que a fama dessa bala não diz respeito a nada disso.

Entrei na loja de conveniências e fui direto a fila do caixa,  pois era lá que se encontrava o que eu queria. Senti uma presença masculina atrás de mim, virei bem alegre pensando que fosse Chris. Dei de cara com um homem de mesma estatura, mas com uma barba que chegava ao peito. Muito provavelmente não era tão velho, mas a barba desleixada fazia parecer com que fosse.

-Já é sua vez, moça!  - Advertiu o homem sem mal mexer os lábios. Talvez eles tivessem mexido, mas não dava para ver atrás daquele monte de pêlos.

Quando me virei ao caixa, o fiz num movimento tão rápido que esbarrei o cotovelo em uma garrafa que estava apoiada sobre o balcão. Vi ela caindo em câmera lenta em direção ao chão. Minha falta de habilidade não me permitiu agir rapidamente e impedir que espalhasse cerveja pelo chão da loja. E quando reagi já havia se quebrado e eu enfiei a mão nos cacos. E adivinhem só?  Dessa vez não teria hematomas, só um pequeno rasgo na palma da mão. O que me atrapalharia de fazer qualquer movimento de vai e vem.

-Cuidado, moça. Há males que vem para o mal!- sussurrou o homem ainda parado atrás de mim na fila.  Aquela frase me causou um arrepio que subiu a espinha e me fez esquecer o sangue que escorria pela minha mão.

-Amor, cuidado! - a voz preocupada de Chris me fez acordar daquele terrível transe que a voz do homem me causara. - Venha deixa eu te ajudar- continuou enquanto usava uns guardanapos de papel postos no balcão para estancar o sangue.

Naquele momento eu não sabia o que dizer muito menos o que fazer. Apenas a voz daquele homem ecoava na minha cabeça "Há males que vem para o mal". O que ele queria dizer com aquilo? Quem ele era? E por que ficou parado sem oferecer nenhuma ajuda?

Enquanto as perguntas surgiam na minha cabeça nosso casal de amigos já estava ali. E não sei quando, mas Jane já tinha tirado esparadrapo da bolsa junto com gase e água oxigenada. Naquele momento eu agradeci por eles estarem conosco. Eu nunca pensaria em levar essas coisas, sempre acredito que nada vai me acontecer. No máximo vou ver alguém se dando mal, mas não eu.

- Desculpa assustar vocês é que eu me distrai com aquele homem barbudo na fila, ele falou de um jeito tão estranho que eu acabei derrubando aquela garrafa.

- Que homem barbudo na fila? - perguntou Chris- assim que entrei só vi você e a moça do caixa.

Senti aquele arrepio duas vezes maior, subir e descer minha espinha. Em que momento entre meu café e a loja eu enlouqueci?

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