(1) Um acidente

10 1 0
                                    

Maria adorava o vermelho.

Achava a cor tão parecida consigo, bem, na natureza o vermelho descrevia planetas e estrelas gigantes, e ela se sentia assim quando se cobria com grandíssimo vestido de cetim vermelho. Quando pintava as unhas em um vinho quase preto e marchava sobre um salto digno de aplausos. Se sentia grande, a maior.

E não era de negar, desde pequena ensinada a ser diferente, exclusiva e única. Ela arrancava de seus parentes, suspiros de inveja a cada diploma conquistado com tanto esmero e dedicação.

Não era uma mulher pequena, odiava se sentir inferior aos outros, pensava que conhecimento era o maior poder de todos e se orgulhava exageradamente de tanto só pra si.

Se formou primeiro em jornalismo, mas não estava satisfeita, logo, se formou em psiquiatria e em seguida Ciências Sociais.

Tão prestigiada e homenageada com tão pouco tempo de carreira, a cada dia que se passava, ela se tornava mais grande.

Aos vinte e sete anos, próximo do aniversário de vinte e oito, a garota conheceu ele, o homem que fez seu coração bater mais forte. Passou a vida inteira se orgulhando de não se interessa por ninguém em nenhum de seus cursos na faculdade, ninguém chamava a atenção da loira que - felizmente, pra si- roubava suspiros por toda instituição. Em uma palestra motivacional, onde ela, estava como convidada, conheceu o renomado Doutor Johnson, um homem atraente demais até pra si. Já ouvirá falar sobre o neurocirurgião antes e sorria boba quando comparavam ambos prêmios, mesmo com especialidades tão distintas.

Não diria de forma alguma que era amor a primeira vista, nunca sentiu o estômago revirar em ansiedade ou a angustia de ter-lo perto, mas sabia que se sentia atraída, não conseguia negar e nem evitar.

Ficaram pôr alguns meses, até o esperado sim, que não tardou em chegar.

Maria se sentia realizada, casada com um grande cirurgião, morando na mansão mais cara da cidade, e estampando seus certificados na parede mais lisa da casa.

Ela estava bem, até a primeira briga.

Nunca sentiu tanto ódio de alguém, nunca teve pensamentos tão insanos sobre alguém como teve sobre o marido naquele momento.

Na segunda briga, ameaçou sair de casa ou expulsar o mesmo, não permitiria algo assim jamais em sua vida, não suportava o modo como as coisas ficavam depois de cada discussão ou como sua cabeça insistia em doer mesmo com tão pouco.

Ela amava o vermelho, amava a cor, amava flores vermelhas, frutas vermelhas, roupas vermelhas.

Mas quando na terceira briga, seu rosto assumiu um tom avermelhado pelo tapa distribuído pelo marido, seu vermelho se tornou preto, deixando de lado a cor forte e existente. Odiou o vermelho.

Agora, encarando a parede com seus diplomas pendurados, e analisando com mágoa o sangue pingado sobre eles, ela soube exatamente o que era se sentir grande.

O chão também estava vermelho, coberto pelo sangue que antes ocupava o corpo do marido. A casa bagunçada e o homem jogado ali, sem um pedaço da cabeça, já que Maria não hesitou em arrebentar uma parte dela com um dos troféus.

Não podia negar que ali sentiu um pouco de medo e a culpa só caiu por si, quando as patinhas adoráveis do gatinho de estimação tocaram a poça gigantesca de sangue.

— Melzinha não pise ai. – Pegou a gata no colo, colocando a mesma sobre o sofá de couro. – A mamãe já vai limpar isso aqui. – Encarou a gata que miou lambendo as patas. – Não! eu não matei o seu pai! Ele que é desastrado e deixou acidentalmente o troféu cair na cabeça dele.. – A gata miou novamente. – Sim Mel, dez vezes, ele deixou cair dez vezes. – A gata fechou os olhinhos, se aconchegando no sofá desperta dos surtos de sua dona. – É eu sei, eu sou louca e uma assassina. O que faço?

Vermelho Onde histórias criam vida. Descubra agora