Sue

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Cheguei em casa tão exausta, não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo novamente. Estava farta daquele assunto, estava farta de ser acusada de louca, estava farta de mortes, estava farta daquela maldita casa.

Ao me olhar no espelho, me deparei com uma menina indefesa, com os cabelos desgrenhados, lábios secos e pálpebras cansadas. Tinha bolsas debaixo dos olhos e estava pálida. Havia perdido muito peso nas últimas semanas. Muito peso mesmo. Parecia uma ovelha em meio a vários lobos. Estava em uma situação devastadora e inacreditável. Não conseguia me concentrar em nada. Era como se uma onde tivesse me atingido em cheio, e eu sentia a água me sufocando, tirando todo o ar que havia em meus pulmões.

Tomei um banho demorado pra tentar recuperar energia, queria tirar aquela cara de zumbi, e voltar a si. Coloquei a cabeça ao travesseiro e tentei não pensar em nada, não foi fácil. Depois de cinco minutos, desisti, seria mais uma daquelas noites.

Me levantei e fui em direção ao sótão, era tudo ou nada. Aquele lugar era sujo, e fedia a mofo, meu pai insistia em deixar tudo naquele lugar, desde o incidente. Todas as coisas que eram dela estavam lá, desde seus objetos até seus arquivos do serviço. Nunca quis entrar aqui, queria ter deixado tudo para trás, mas há algo a mais e eu tenho que descobrir o que é. Esperava encontrar o que estava procurando exatamente aqui.

Caixas e mais caixas, "fotografias", "discos", "máquinas", "fotos reveladas", "Filtros", coisas nesse estilo, no seu tempo livre mamãe gostava de fotografar, era como um hobbie. Tentei não mudar as coisas de lugar, para o caso de meu pai resolver checar as coisas. Ele estava em seu escritório, então a vinda ao sótão foi fácil, ele sempre trabalhava até tarde, às vezes acabava dormindo lá mesmo, eu sabia que ele sentia a falta dela e o trabalho o fazia esquecer disso um pouco, então eu não me importava.

Fazia exatamente 15 minutos que estava lá dentro e ainda não havia achado nada de meu interesse, até esbarrar em algo perto da janela. Não havia nada escrito em cima da caixa, então resolvi abrir. Havia umas papeladas, nada interessante, então achei um envelope "RESTRITO", varias fotos, e anotações no verso. Separei algumas e comecei a ler os rabiscos, observava cada foto, em cada detalhe. A casa 7 estava lá, e a dona que morava lá também estava, e mais alguém. Senti uma onda de pânico, podia jurar que era a mesma pessoa que estava nos observando, eu só não tinha certeza ainda. As fotos foram registradas a uma distância favorável, mas infelizmente ainda não conseguia distinguir quem era, só que era uma outra mulher. Quem era aquela mulher? Me lembrei do sonho de Leslye. Senti um nó na garganta, e me odiei por guardar tudo aquilo comigo a tanto tempo. Era tudo culpa minha.

Continuei a olhar aquelas fotos e frases sem nexo, peguei o envelope e coloquei tudo lá dentro de volta, só minha mãe saberia responder qual o significado de tudo aquilo, o porquê de estarem nos perseguindo, quem são aquelas pessoas, o que elas querem.

Eu sentia falta dela, especialmente naquele momento. Eles a mataram, eu tinha certeza naquele momento, e já sabia o motivo. Eles não a queriam por perto.

Voltei ao meu quarto e me deitei, tentei expulsar o sentimento de culpa e todas aquelas imagens da cabeça, pela manhã ligaria para Leslye.

• • •

Entreguei o envelope a Leslye, e a deixei examinar todas as fotos com atenção. No silêncio prolongado, o nó que sentia no estômago parecia se transformar em uma crise de apendicite e tudo que podia pensar era no que tinha feito de errado, então tentei me desculpar.

- Eu sinto muito, eu não sabia...- ela me interrompeu.
-Quem é essa mulher? Por que estavam nos observando? - suas palavras me deixaram mais descontraída, ela havia mudado de assunto como se aquilo não fosse importante.
- Então você não esta brava? - insisti.
- Isso não importa agora, temos que achar os meninos. - ela deu um passo em minha direção e colocou uma de suas mãos em meu ombro como se quisesse me consolar.

Não foi tão mal quanto havia imaginado. Não houve uma discussão, Lesley entendia o porquê de eu ter escondido aquilo dela, e eu consegui respirar com tranquilidade outra vez. Bom, era o que eu esperava.

Então ela se levantou, e eu a segui. Adentramos o enorme corredor a procura de Norman no grupo de química, ele devia estar lá. Não havia sinal dele, George Rollins nos disse que Norman não havia passado por lá, o que era estranho pois Norman sempre aparecia lá. "Ele devia ter aparecido, temos uma enorme experiência a ser realizada com células mortas" George disse com um brilho nos olhos. Dei de ombros, até porque nada daquilo era importante em um momento como aquele, comecei a procurar com os olhos Brian e Eddie pelo resto do corredor, enquanto Less agradecia a George, em seguida me puxou para o refeitório.

Brian e Eddie olhavam atentamente para duas líderes de torcida que estavam comprando alguma coisa na cantina, eles olhavam especialmente para o traseiro de ambas, elas estavam na ponta dos pés e empinavam a bunda para chamar a atenção de meninos tarados e idiotas. Nossos amigos eram tarados e idiotas. Revirei os olhos ao ver aquela cena, e Leslye deu uma gargalhada que foi abafada por causa de milhares outras risadas que circulavam o refeitório, "meninos" foi o que ela disse enquanto tentava acabar com a festa dos dois. Parou bem em frente à eles tampando aquela visão ridícula, eles estavam em transe, e eu senti vontade de socar Eddie naquele momento.

- Vocês viram Norman? - perguntei seca, Eddie me lançou um sorriso, como se quisesse pedir desculpas, revirei os olhos e ele riu.
- Não, pensei que ele estivesse com aqueles garotos estranhos do grupo de química. - Eddie me respondeu, com um tom doce.

Ele era tão lindo. Não tinha como negar. Poderia passe o dia todo admirando seu rosto, cada detalhe dele.

- Precisamos conversar, todos. Ligue para o Norman, rápido. - Leslye ordenou a Brian.
Ele tirou o telefone do bolso, e discou os números. Me sentei em frente à Eddie, e Leslye ao meu lado. Eddie começou a fazer círculos em minha mão, como se fosse um tipo de carinho, ele gostava de fazer aquilo, e eu me sentia bem.

"Sim... hmmm... não, eu não conheço... tudo bem, obrigada Sra. Bigalo." Brian falava ao telefone enquanto Leslye comia a maçã dele, e eu observava Eddie tocando minhas mãos.

- Ei, há algo errado. Eddie não dormiu em casa, e deixou o celular lá. A mãe dele disse algo sobre ele ter saído com um amigo da equipe de teatro, eu nem sabia que Norman fazia teatro. - Brian nos olhou confuso, não entendendo o que se passava e esperando uma resposta coerente.
- Ele não faz teatro, por isso. - Leslye estava impaciente com tudo aquilo, não era pra menos. - Temos que achar Norman, agora.

Brian e Eddie nos olhavam sem entender o que estava acontecendo, levantamos e voltamos aos armários. Eles apenas nos seguiram.
- No caminho explicamos. - eles mereciam uma explicação, também estavam envolvidos naquela grande merda.

Fui ao meu armário pegar minha bolsa enquanto eles me esperavam na porta, inventaríamos uma desculpa qualquer pra sair antes do horário e iríamos atrás de Norman. Eu sei que era estranho, mas Leslye estava impaciente, o que ela estava pensando? ela batia o pé enquanto olhava para Brian, que estava cabisbaixo e com as mãos nos bolsos. Eddie continuava na mesma posição desde o momento em que saímos do refeitório, olhava para a tela do celular repetidas vezes esperando a ligação de Norman. Seu cabelo estava bagunçado, daquele jeito meio rebelde, o que favorecia sua aparência, que tinha um estilo bad boy, mas era o oposto disso, era um cara doce e inteligente, sensível e ao mesmo tempo misterioso, eu gostava disso, seus olhos contra o sol eram verdes, e seus cabelos loiros. Depois que minha mãe faleceu, ele se tornou o que eu precisava, eu estava apaixonada por ele, só não queria me machucar, mas isso não era coisa pra se pensar naquela situação.

Abri o cadeado, e puxei a porta do armário, um papel amassado caiu, e eu agachei para pegá-lo. Havia sangue no papel. Uma onda de calafrios percorreu minha espinha, e eu senti que iria cair, mas não aconteceu. Fechei o armário e fui em direção à porta, entreguei o papel pra quem quer que fosse pegá-lo, enquanto todos estavam de olhos arregalados para minha expressão, que não fazia ideia de qual era naquele momento.
Não sabia ao certo o que iria acontecer conosco, além de uma verdade incontável - as coisas iam mudar.

Senti o estômago embrulhar e a náusea precipitar-se. Eu sentia medo, eu devia sentir isso, não?

"A verdade só tem significado quando é difícil de ser admitida."

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