A entregadora

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Era um dia de verão no nordeste do Brasil quando vi a Terra pela última vez. Eu era uma mocinha começando uma pós-graduação em Geografia. Naquele ano, tivemos o início da primeira das grandes pandemias do século XXI, o vislumbre da terceira guerra mundial (soube que já estamos na vigésima) e a destruição de metade das plantações de milho e soja das américas por uma praga de insetos extraterrestres.

De lá para cá, se passaram uns mil anos, embora quem olhe para o meu rosto não me dê mais do que trinta e cinco anos terrestres. Quando se trabalha com entregas para deidades superiores do universo você tem o privilégio e maldição de permanecer jovem. Não estou muito diferente de quando vivia na Terra, a exceção dos meus dois braços mecânicos substituídos após um acidente bobo há uns dois séculos. Já vi muita coisa nessa carreira, mas estou perto de me aposentar, então venho procurando alguém para me substituir.

Faz uma temperatura agradável em um mercado de crustáceos no planeta B619 da Galáxia Andrômeda. Associo imediatamente ao mar raso e vermelho que nos rodeia, que, com as suas ondas, varrem os pés dos visitantes de todas as raças a cada dois minutos.

Não estou fazendo compras como todo mundo ali em baixo. Em vez disso, apenas os observo a paisagem do alto da nave da firma, enquanto uma lista de rostos de candidatos à novo piloto passa na tela a minha frente. É o meu horário de descanso e, no momento, estou sem nada produtivo para fazer após ter preenchido todas as minhas palavras cruzadas. A última palavra para "um tipo de nuvem" vem a minha mente quando um garoto de cabelos brancos flutuantes sobe sem convite em minha cabine. O pequeno "cúmulos nimbos" não chegava na altura do meu busto.

─ Desculpa por vir até aqui ─ ele se apressou em dizer. ─ Eu preciso de sua ajuda! Soube pelos outros que o seu próximo destino é o meu planeta. Eu quero ir até lá!

Ele parece pertencer a raça Frai e aparenta ser frágil em sua forma de neblina. Li em algum lugar há muito tempo que aquela espécie do planeta Beta k23 fica bastante saborosa assada em baixas temperaturas por um período de uma hora. O segredo está nos ingredientes do molho.

Obviamente eu nunca comeria um ser consciente. Existem muitas outras espécies de criaturas que não te processariam por você ter jantado um de seus filhos, além disso, sou humana, tem a questão ética envolvida. Iria expulsá-lo dali, porém, fiquei curiosa sobre sua história.

Seu nome é Norm de Frai e ele procura por seu pai, sequestrado há alguns meses. Os malfeitores, da raça melcol, são de um grupo criminoso conhecido por servirem os pratos mais exóticos no mercado negro. Ele fugiu por pouco e agora quer uma carona para o planeta natal onde irá reunir esforços em sua busca. Topei em ajudá-lo e lhe dei um conselho:

─ Esqueça o seu pai, menino. Acredito que o que ele mais iria querer neste momento é que você fique bem.

Achei que vi um pequeno raio saindo de sua cabeça:

─ Ele está vivo! Por favor, só faz o que eu pedi.

Suspirei:

─ Ok. Irei partir daqui há uns cinco toques. A viagem vai demorar uns três dias, pois tô preciso tomar um desvio. Soube que os tranjorianos estão em conflito de novo e não quero ser pega no fogo cruzado.

O corpo do menino se tornou um pequeno tornado, o que me acendeu a dúvida de como seria possível colocar o seu corpo em um forno e assá-lo.

─ Muito obrigada, senhora!

─ Naala.

─ Obrigado, Naala!

─ Só mais uma coisa: vou sair para comprar algum lanche, pode ficar à vontade aqui na cabine, mas jamais olhe lá atrás. ─ E ressaltei: ─ Você pode acabar morrendo por causa disso.

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⏰ Última atualização: Jul 22, 2020 ⏰

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