O posto de combustível fica na estrada principal da cidade, a única estrada que tem um sinal de transito que metade do tempo não funciona. Em dez anos acho que só vi esta merda funcionar umas duas vezes e todas as duas foi nas eleições.
Ao chegar ao trabalho depois do almoço, encontro Angélica, sentada atrás do balcão, sem se dá ao trabalho de levantar a raba, para me cumprimentar.
- Pelos vistos ninguém esta com muita pressa para compra nada hoje. - Digo sentando-me ao seu lado.
- É uma pena, porque um pouquinho de distração cairia bem. - Diz desmotivada.
Já estávamos cogitando jogar cartas quando o sininho da loja tocou ao abrirem a porta. Eu me surpreendo ao ver um estranho.
- É tempo de eleição? - Cochicho pra minha amiga.
Normalmente nós já conhecemos todo mundo que vem compra aqui. Mas esse cara nunca meteu a fuça aqui. "tenho certeza!" Ele bate a porta num estrondo antes de olhar feio para o lugar.
"Esta cidade não esta em nenhum tipo de problema, está? Será que a cidade será demolida para abrir espaço para um zoológico ou algo assim? Pensando bem... Quem construiria um zoológico neste lugar? Teria exposição de calangos, pebas, tíu, galinhas, vacas, bois... Loucura né?!"
Sai dos meus devaneios e volto a observar o homem, que parece ter chupado limão, fazendo careta para tudo que via nas prateleiras. Ele é um homem bonito, alto e muito bem vestido, o que faz a estupida da Angélica praticamente babar sobre meu ombro, me obrigando a lhe dá uma cotovelada no estomago.
- Refrigerante.
- Boa tarde. - Ativo meu modo atendente, minimamente educada. - Qual?
- Não importa! Desde que esteja gelado.
- Certo! Tudo bem senhor, sem problema. - Angélica diz com a voz tremula.
A vadia não sabe disfarçar, ela não pode ver um macho bonito que já se espelha toda, eu não estou a crucifica-la por isso, até porque nem estamos no sábado de aleluia para a malhação de Judas. Só que a vadia poderia pelo menos disfarçar o nervosismo. Eu sei, eu entendo minha amiga, macho bonito nesta cidade é com ter Silvio Santos abrindo a porta da esperança e darmos de cara com Caio Castro de braços abertos e pelado a nossa frente. Porem aqui nesta cidade temos que nos dá por felizes com um Sérgio Malandro abrindo a porta dos desesperados e gritando "glu-glu ié-ié". Esse é o máximo que poderíamos conseguir. "E olhe lá!"
Ele se aproxima, se debruçando no balcão e fala numa voz baixa.
- Dá para mandar sua amiguinha pegar leve na puxação de saco? - Não tão baixo, para que Angélica não ouvisse. - Já entendi que ela esta impressionada, mas manda ela segura a onda, tá bom?
- O que? - Olho para ele chocada.
- Daqui só quero o refrigerante. - Ele diz com um ar debochado se virando para Angélica que esta paralisada com o refrigerante na mão.
- Peça desculpa a ela. - Exijo, tentando me controlar para não me meter em confusão outra vez. "Depois explico".
- Acha que pode me dizer o que fazer? - Ele se exalta.
- Acho que você vai ter que fazer quatro horas de viajem para poder tomar seu maldito refringente. - Rebato com o dedo indicador apontado para a rua.
Angélica está pálida e eu só espero que ela não esteja prestes a desmaia aqui ou algo do tipo, porque se ela fizer isso, juro que desta vez eu não chamo o socorro.
- O que se passa Henrique? - Eu não vi o outro homem entra e nem ouvi o maldito sino da porta tocar. - Peça desculpa pra essa moça. - Exige autoritário sem desviar os olhos do tal Henrique (vulgo cuzão).
- Desculpa. - Solta um rosnado contido em nossa direção.
Ele estava vermelho, não de vergonha, mais sim de raiva por ser reprendido a nossa frente. É incrível como um homem tão bonito e sexy, consegue ficar horrível em um piscar de olhos. Se em algum momento a calcinha da minha amiga chegou a molhar, a sua perseguida deve ter sugado cada gota derramada em uma só sucção.
- Angélica entregue o refrigerante para o cliente, por favor. - Digo sem tirar os olhos do outro homem, que parece esta em uma luta silenciosa com o seu amigo cuzão.
- Sinto muito por isso. - Ele diz sem desviar os olhos do cuzão. - Meu amigo esta tendo um dia difícil, um dia problemático. Não é nada contra vocês.
Ele movimenta sua cabeça de um lado para o outro, passando sua grande mão na nuca, como se estivesse com algum incomodo naquela região. Eu costumo fazer isso toda manhã ao acordar. Minha vó diz que sou muito pirangueira e relaxada, que sofro com dor porque quero. Ela diz que eu dou tchau de mão fechada quando o assunto é meu conforto. Eu sei que tenho que trocar o colchão e de travesseiro, mas só em pensar em ter que aturar as gracinhas do cavalo do cão "Manoel dono da lojinha de moveis" eu desisto.
- Acho que o problema dele é ser um babaca. - Falo mais alto do que gostaria, ou melhor, deveria.
Ele estende sua mão em minha direção, eu encaro por um bom tempo antes de dá conta que ele colocava cinquenta reais no balcão e que ao contrario do que eu imaginei, ele não estava querendo me tocar. "Ah, droga. O que eu faço agora?" Eu não posso julga-lo por não me reconhecer. Pois eu levei um tempo para reconhecê-lo também e ter certeza que Fernando Queiroz estava ali a minha frente diante de meus olhos, depois de dez anos.
- Obrigado. - Digo por fim, entregando-lhe o troco.
Seus olhos finalmente estão voltados para mim. "Finalmente ele esta me vendo." Ele parece confuso, talvez meu boné verde limão da farda combinado com minha polo laranja "detesto essa farda", esteja lhe deixando confuso. Ele parece intrigado e se aproxima um pouco, antes de desviar sua atenção para o celular que começa a tocar em uma de suas mãos. Vejo a hesitação em sua feição, voltar a me olhar rapidamente, antes de finalmente atender a chamada e sair da loja com seu amigo mal educado atrás.
Meu coração queria sair pela boca, meu furico queria sair da bunda, quem estava prestes a desmaiar era eu, desta vez. Coração acelerado, tremor nas mãos, tremor nas pernas, falta de ar... Acho que eu vou ter um treco.
- Renata você tá pálida. - Angélica diz colocando suas mãos nas laterais do meu rosto. - Amiga se tá tremando mais que vara verde.
Eu não estava nada normal e por mais que eu tentasse agir naturalmente não iria conseguir.
- Vou ficar bem, só preciso de um pouco de ar.
Eu precisava de alguém, precisava conversar enquanto secava uma garrafa de uísque e fumava um maço de cigarro, mas como eu tinha que trabalhar, não bebia uísque e nem fumava porra nenhuma, me contentei em pegar uma garrafa de água e ir para parte de trás da loja, colocar as coisas da minha cabeça em seus devidos lugar antes de começar a fantasiar.
Nem sempre lembramos do nosso passado com muita alegria. Às vezes, ao pensarmos sobre ele, nos vem na memória os problemas que enfrentamos, as pessoas que nos magoaram, entre outras coisas que queremos deixar para trás.
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TRAIÇÃO
RomanceUma desilusão amorosa é bastante dolorosa, mas uma traição supera qualquer dor. Importante: Esta história é imprópria para menores de 18 anos. Adultério, Álcool, Drogas, Abuso sexual, Linguagem Imprópria, Nudez, Sadomasoquismo, Sexo, Romance...