Desejo do Vazio

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A Vida, uma vez, te sorriu como quem não quer nada.

"O dia está lindo, não é mesmo", perguntou-te com uma expressão tranquila, não pedindo, realmente, uma resposta, mas disposta a ouvir.

Você deu de ombros, não sabendo, realmente, como responder. Não que não gostasse do clima, mas o sol parecia forte demais, as nuvens, afastadas demais, o som, silencioso demais.

O dia, calmo... demais.

Como a calmaria antes de uma terrível tempestade.

A Vida continuou a te olhar, esperando a resposta para uma pergunta que você não tinha ouvido.

Você desviou o olhar, com a vergonha- por não ter aproveitado mais uma oportunidade que ela lhe dera- falando (gritando) alto demais.

"Ei, Vida, como está?", gritou o Amor, chegando sem que ninguém percebesse- assim como ele fazia quase sempre- e com um grande sorriso na cara, que logo se desfez ao perceber a sua presença. "E... Você", resmungou, mal se dando ao trabalho de dizer seu nome.

Você, simplesmente, o ignorou, como fizera em todas as outras vezes.

Você e Amor, absoluta e inegavelmente, não se entendiam. 

Você o odiava por ter-te feito amar nos momentos errados. Ele te odiava por ter deixado passar todas as chances que lhe deu.

É, você não tinha muito o costume de aproveitar as oportunidades que apareciam.

Chegava, até, a ser irônico como, justamente, o Amor te odiava. Talvez, estivesse certo quem afirmou que "o Amor e o Ódio andam juntos", só não, exatamente, de mãos dadas, porque o Amor é livre demais para se prender assim.

Você exalou, com a Exaustão te pesando os ombros, quando Destino apareceu, abraçado com Acaso. Ambos seguravam as mãos da pequena Morte, que correu, alegremente, para os braços da Vida, quando a viu.

Pronto, o circo estava armado e o local, lotado de imortais que se divertiam com seu sofrimento.

"Que cara é essa, jovem?", perguntou Acaso, jogando os braços por cima de seus ombros. Você odiava quando ele fazia aquilo.

Bem, você, basicamente, odiava todos ali.

Odiava Amor, por te fazer amar alguém que você perderia.

Odiava Morte, por ter levado, justamente, quem você amava, ao invés de levar você.

Odiava Vida, por ter te feito para amar alguém que Morte levaria.

Odiava Destino, por ter colocado, em seu caminho, alguém que você fosse amar e perder.

Odiava Acaso, porque se "nada é por acaso", o que aquele imortal fazia ali? Mesmo que você soubesse que nem tudo é obra do Destino.

Você, também, odiava não saber quando era Acaso ou Destino te enchendo a Paciência.

E, você já estava, completamente, sem paciência, para a bagunça que aquele bando de imortais fazia com sua vida.

Você só queria sumir. 

Não morrer, você não daria, para Morte, o prazer de brincar com sua alma.

Você só queria desaparecer, para que nenhum deles pudesse te achar. Mesmo que você soubesse que é impossível fugir do Destino.

Você só queria que eles explodissem! E que levassem o Mundo com eles, para você não faria diferença alguma. Tudo que te interessava já não estava mais ali, então, por que tudo deveria continuar existindo?

Deixou sua mente vagar e tentou ignorar a bagunça que era, sempre, que aqueles imortais se reuniam.

Vida reclamava com Morte depois de ter tido seus cabelos puxados.

Amor corria atrás de Ódio, que deve ter chegado junto com Amor, mas você nem reparou.

Destino e Acaso jogavam cartas e bebiam lágrimas -não era lágrimas de verdade, mas você sempre preferiu pensar que sim- em canecas, belamente, decoradas.

E sua mente vagava buscando Vazio. De todos os imortais, era o único que você, sinceramente, gostava.

Vazio não falava, nem brigava, muito menos, tentava te manipular.

Vazio só existia, se é que existia.

Será que, se você fossem morar om o Vazio, os outros imortais continuariam indo atrás de você?

Provavelmente não, já que ninguém gosta de Vazio.

Os outros alegavam que era frio demais, insosso demais, vazio demais. E ninguém gosta de coisas vazias. Por isso, mobíliam suas casas, enchem suas estantes, colocam quadros nas paredes e pessoas em suas vidas.

Ninguém gosta do frio, por isso, buscam casacos, cobertores, aquecedores e pessoas para ficarem junto.

Ninguém gosta do insosso, por isso, colocam sal, açúcar, pimenta, amor, ódio.

Mas você não. 

Você tinha cansado de procurar a Razão, só desejava Paz.

Mas  Paz sumira fazia muito tempo. Tanto tempo que duvidava que algum imortal se lembrasse dela.

Talvez Paz estivesse escondida nas profundezas do vazio. 

Talvez você fosse procurá-la um dia.

Talvez você a encontrassem e pudessem viver juntos, ali, no Vazio.

É, talvez, um dia.

Mas, agora, tudo o que você queria era que aqueles imortais barulhentos fossem embora para que você pudesse abrir as portas para o Sossego e planejar o dia de encontrar Paz. Sua tão sonhada e adorada Paz.

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Encontro com a vida (e outros inconvenientes)Onde histórias criam vida. Descubra agora