Mama Wolf

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Uma noite acordei com uivos. Distantes e sentidos, ecoando bosque adentro. Eram meados de janeiro e as noites estavam cada vez mais longas e frias. Fazia poucos meses que eu havia me mudado para aquela casa ao estilo chalé bucólico. Aos meus trinta e poucos anos e muitas histórias inacabadas, havia escolhido aquele lugar isolado para buscar criatividade e tranquilidade para escrever meus livros. Tinha outras casas a algumas dezenas de metros de distância, descendo a rua, mas, de forma geral, não era um bairro muito habitado.

Olhei pela janela do quarto, abrindo-a com cautela. Meu quarto estava virado para um enorme bosque, que ficava para lá do jardim dos fundos. Estava frio e o vento era cortante.

Silêncio.

Um uivo novamente cortou a noite, como uma lâmina afiada.

Às vezes eu ouvia lobos por ali. Mas aqueles uivos soavam deprimidos. Um arrepio estremeceu meu corpo. Por longos segundos o silêncio reinou na noite. E esses segundos logo se transformaram em minutos. Até que o frio me venceu e eu fechei a janela e voltei a deitar sob meus cobertores.

Odiava aquele bosque. A casa era até agradável e aconchegante. Mas aquele bosque, nos fundos da casa, dava um ar de filme de terror, como se um assassino maníaco fosse surgir dentre os pinheiros. Era um bosque enorme, que seguia horizonte adentro, delineando as colinas distantes até sumir de vista. As outras casas que ficavam na mesma estrada isolada eram em geral usadas só para férias, o que fazia de mim a única pessoa em quilômetros.

Virei-me de um lado para o outro tentando voltar a dormir, mas o medo irracional me fez levantar. Fui até a cozinha, coloquei água na chaleira e acendi o fogo. Deti-me alguns segundos por perto para absorver o calor. A cozinha era conjugada com a sala, tendo um balcão como única divisória. Eu ainda estava mobiliando a casa, mas a sala tinha o essencial: uma mesa de trabalho, um sofá velho, uma tevê igualmente velha e uma estante enorme recheada de livros.

Estava pensando em acender a lareira quando o lobo voltou a uivar. Era um som profundo que fez meus pelos arrepiarem mesmo perto da chamas. Estava muito próximo. Fui até a sala apreensivo e abri timidamente a cortina da porta de vidro. Observei o jardim dos fundos. Não havia nada a se mover na grama mal aparada. Um brilho na orla do bosque chamou minha atenção. Semicerrei os olhos tentando enxergar através do negrume. Um vulto acinzentado moveu-se e desapareceu entre os pinheiros. Um lobo. No meu quintal. Fechei as cortinas rapidamente

Sabia que era um terror infundado. Lobos não atacavam humanos de graça, ainda mais dentro de suas próprias casas. Eles eram muito esquivos para fazer tal coisa. Mas era instintivo temer aquela criatura silenciosa. Os uivos eram tão melancólicos, cheios de sentimentos e de certa forma tão… humanos. Esfreguei os braços, agoniado com tal sensação. Resolvi deixar o chá para lá, desliguei o fogo e voltei para a cama.

***

Estava cada vez mais acostumado com o uivos noturnos. Não tinha visto mais nenhum lobo perambulando no quintal dos fundos, ou na orla do bosque, mas ainda era possível ouvi-los toda noite. Algumas noites eu permanecia acordado até os cantos cessarem, outras adormecia embalado em seus clamores. Havia ainda algumas em que eu me levantava e ia escrever algo, inspirado.

Começava a ver de forma diferente aqueles sons. Já não pareciam tão melancólicos. Eram solitários e poderosos, sim, mas não melancólicos. E eram belos, como o eram. Já não sentia mais medo, e sim admiração por aquelas criaturas noturnas.

***

O jardineiro era um homem baixo e encorpado, que tinha uns bons cinquenta anos. Ele possuía um sorriso acolhedor e paternal, e olhos antigos e sabidos, rodeados de pés de galinha. Sua pele era escura, sapecada de sol e seu cabelo já rareava nas têmporas.

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