Primeira Parte

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     A noite era fria em Baker Street. Eu estava sentado no chão organizando meus manuscritos enquanto Holmes fumava seu tabaco, sentado na poltrona de frente para a lareira, aquecendo as pernas. Apesar de estar envolvido em muitos casos ultimamente, Sherlock não estava pensando em nenhum deles em particular. Sabia disso pois sentia ele me observar, analisando seja lá o que seus olhos de águia enxergam.

     "Muita ousadia sua trazer cartas de amor junto com outras pilhas de manuscritos para a sala, sendo que o destinatário está bem ao seu lado e é bem observador". Holmes disse. Vi que no chão ao meu lado estavam as cartas no meio de uma pilha de casos, trazidas sem querer e me fazendo passar vergonha. Agarrei-as o mais rápido possível para guarda-las.

    "Sabe que não pode esconder nada de mim nesta casa, Watson, mas apesar de eu estar muito curioso para saber o que tem escrito nelas, vou fingir que não sei que existem." Acrescentou Holmes, da sala, enquanto eu guardava as cartas embaixo de minha cama, no quarto.

    "Você é um demônio e sabe disso" disse encabulado voltando para onde Holmes estava. "De qualquer forma, não devia estar preocupado com o caso daquele violinista morto?"

    Holmes se animou com a pergunta, alcançou a bolsa que continha seu tabaco e reabasteceu o cachimbo.

    "Oh, sim. Sr. Leonard Surrey, o excêntrico Spalla* da orquestra do Teatro Imperial, encontrado morto com um ferimento na cabeça, em seu escritório ornamentado com uma enorme coleção de violinos raros." Holmes disse, enquanto eu aproximava minha poltrona da dele, afim de me aquecer também com o calor do fogo.

    "Era um excelente músico" continuou "executava Mozart com maestria e Paganini com delicadeza. Já o assisti tocar algumas vezes. O inquérito da polícia foi correto sobre o assassino, mas não sobre suas razões para o crime. O assassino é o nobre David Lane, e acredita-se que ele tenha assassinado Leonard durante um acesso de ódio, ao vê-lo maltratar a srta. Violet Surrey, irmã do morto e esposa do assassino. Bom, ex-esposa, pois Sr. Lane foi enforcado na manhã de terça feira." Ambos fitamos o fogo em um momento de silêncio.

    "Mas algo me diz que ainda não está satisfeito com o resultado de tudo isso." Afirmei.

    "Realmente, Watson. Como já disse, as razões ainda não estão completamente esclarecidas. A grande prova disso é este bilhete" estendeu para mim um pedaço de papel que tirou do bolso do roupão. A mensagem era curta e direta, escrita com letras delicadas:

    "Me encontre às 22 horas em minha residência, deixarei a porta dos fundos destrancada. Preciso lhe informar algo de extrema importância. Seja discreto. Ass. Srta. Violet Surrey."

    "Desde o início percebi que a moça escondia algo e que estava desesperada para contar a alguém, supus então que logo recorreria a mim. Esperei que ela mesma decidisse me contar o que a afligia e voilà, este bilhete foi telegrafado hoje pela manhã."

    "E imagino que vá sozinho, já que a moça pediu para ser discreto. Estou certo?"

    Holmes se levantou e tirou o cachimbo dos lábios, aproximou-se e acariciou meu rosto com a mão livre.

   "Por mais que eu considere sua companhia de inestimável valor, devo me ater as exigências da moça. Creio que quando eu voltar terei informações que podem levar a uma nova investigação e terei o prazer de lhe contar." Holmes depositou um beijo em minha testa, trocou o roupão pelo sobretudo e partiu para sua aventura noturna nas ruas de Londres. 

O Chantagista de HampsteadOnde histórias criam vida. Descubra agora