Terceira Parte

64 15 10
                                    

     Eu despenquei em minha poltrona, fazendo esforço para acreditar no que aconteceu. Também me sentia imensamente culpado por deixar tais cartas a vista dos visitantes intrometidos. Tentei ignorar o sentimento e esperar que Holmes dissesse algo.

     Ele não disse. Sabia que estava com tanta raiva de mim quanto de Milverton. Depois de um tempo parado, quieto e pensativo, de frente para a lareira apagada observando as cinzas, Holmes foi até o quarto. Voltou em um de seus disfarces. Um operário vulgar, de barba espessa e que fumava um cachimbo de barro.

     "Não sei ao certo que horas voltarei." disse Holmes e saiu.

    Compreendi que a guerra contra Milverton havia começado.

    Durante três dias foi assim. Holmes saía disfarçado, sem dirigir muitas palavras a mim, e voltava quando a noite já havia e muito avançado. Não sabia onde ele ia, e foi apenas na tarde do terceiro dia descobri, de maneira bem desconfortante.

   Holmes chegou mais cedo do que de costume e se sentou na poltrona, arrancando o disfarce. Tinha um tom de divertimento em seu rosto.

    "Você acha que eu daria um bom noivo, Watson?"

   Levei um susto.

   "Como?"

     "Gostaria que soubesse que estou Noivo de uma das empregadas de Milverton."

    "VOCÊ O QUE?"

   Sherlock riu. Minha raiva e ciúme pareceram agradá-lo.

   "Se queria ter sua vingança sobre as cartas que deixei expostas, conseguiu!" Exclamei.

   Sherlock cessou o riso, se levantou e me abraçou. Permiti ser abraçado, por mais que estivesse com irritado.

   "Ah, Watson, eu precisava de informações. Flertei com uma das empregadas para descobrir a planta da casa de Milverton e os hábitos do desgraçado. Deus tenha piedade de mim se eu tiver que conversar mais uma vez com aquela mulher. E, por favor, não pense que foi pessoal. Temos que lutar com as armas que temos quando algo tão importante está em jogo." Ao terminar essa frase, desfez o abraço e olhou fundo em meus olhos.

     Subitamente Sherlock se virou para buscar tabaco, encerrando o assunto para iniciar outro:

    "Além disso, também gostaria que soubesse que vou invadir a casa de Milverton hoje à noite."

    "VOCÊ VAI O QUE?"

    "Tenho que arriscar." Sherlock me respondeu voltando com o cachimbo na boca.

  "Pense no que vai fazer, Holmes! Você pode ser preso!"

   "Já pensei o bastante. Se houvesse maneira menos drástica de resolver isso eu optaria por ela. Mas não há!"

Suspirei.

   "Não gosto dessa história. Mas já que é o único jeito, a que horas vamos?"

   "Você não vai"

     Nas palavras não ditas, percebi que ele estava com medo de que algo acontecesse comigo, caso eu fosse. Mas como o teimoso que sou, me aproximei e o desafiei.

     "Ah é? Bom, se eu não for, você também não vai. Juro que assim que você sair sozinho eu te denunciarei para a polícia. Lembre-se de que não é só você que foi chantageado."

     Holmes estava sério e me encarava de volta com os olhos semicerrados. Suspirou aceitando a minha vitória na discussão.

   "Claro, claro, pode ir. Compartilhamos o mesmo quarto, que diferença faz se acabarmos por compartilhar a mesma cela!"

   Dei-lhe um pequeno selinho como agradecimento. Sherlock me devolveu o beijo e logo voltou as suas atividades. Alcançou uma maleta de couro, abriu e analisou o conteúdo. Nela haviam ferramentas de arrombamento da melhor qualidade e tecnologia. Encantado com a visão daqueles equipamentos, Holmes disse:

     "Hoje finalmente descobrirei se sou um criminoso eficiente, uma oportunidade única na vida! Watson, por gentileza poderia fazer duas máscaras com seda preta?" E me jogou o tecido.

    Custo a admitir, mas estava muito empolgado com a coisa toda. Peguei uma tesoura e preparei duas mascaras enquanto Sherlock começou a explicar o seu plano:

    "Faremos assim: Invadiremos a casa de Milverton pela janela próxima ao escritório. É nesse escritório que está o cofre onde ele guarda todos os seus papéis. Milverton tem sono muito pesado e os criados não dormem na mesma casa. Temos que aproveitar a nossa sorte, pois acredito que já esteja na hora de vestir as máscaras." 

O Chantagista de HampsteadOnde histórias criam vida. Descubra agora