Desculpa não ter conseguido ser pra você nada além de dor,
tudo o que eu aprendi na infância foi como desaparecer.
Se suas costas gritam por minhas mãos, eu atendo,
e se tua boca reclama mais minutos em abandono,
eu jogo o relógio fora.
Agora toda poeira me vê como semelhante
e a tua silhueta na parede da minha sala
me lembra como era te segurar sem as mãos.
Se na semana passada eu fui um erro,
pretendo agora começar a acertar.
Ainda verei muitos sóis nascerem
e muitos passados ainda farão sombra no meu espelho.
E quando a minha dor aparecer na tua porta pra um chá,
espero que se lembre
que alguns leites só se derramam depois de ouvirem o choro.
***
É amargo saber que só você tem o poder de me levar pra casa. Esse amor tem rugas que não trouxeram sabedoria e nós continuamos estúpidas. É fácil pra você me machucar porque eu te mostrei como fazer, eu te dei o veneno e o antídoto, e não te culpo por esse olhar vazio que você veste quando olha pra mim, sei que não sobrou muita coisa aí dentro.
Você me ensinou sobre a vida quando entrou por essa porta, e sobre a morte quando saiu por ela, e mesmo assim meu gosto está entranhado em cada centímetro da sua língua, você não consegue me cuspir por mais que tente.
Meu corpo ainda lembra de cada parte sua por onde ele passou e meus pelos ainda se arrepiam com a lembrança vívida dos seus dedos correndo por entre minhas pernas.
Mas tudo isso são epitáfios.
Apenas continue buscando outros gostos que consigam disfarçar o meu, daqui eu estou fazendo o mesmo enquanto procuro o caminho de casa.
***
Enfim. o fim chegou.
O que era doce tomou gosto de vômito
e a boca que antes pedia, agora cospe nauseada.
Os dias de calor e as noites de brasa firmaram moradia na neve,
aquela que sufoca, acumula, endurece,
e que se torne cada dia mais frio.
Tudo muda, menos o imutável.
E talvez, ir embora,
fechar a porta dessa mudança que não muda,
seja o melhor analgésico.
- Para um amor que nunca foi.
***
O problema é que nós somos iguais,
e o teu narciso pede socorro pro meu reflexo.
Você pode, vez ou outra,
tentar fugir do meu lago,
pra depois, quase sempre,
mergulhar.
Se eu tivesse te visto antes com os olhos que ganhei agora,
não teria me cegado,
e agora esse blues de iniciante toca em todas as frequências,
estou ouvindo em doses repetidas com a cabeça dentro da privada.
Tua estupidez trancou as saídas de emergência,
eu fiquei anos parada na frente da sua casa
pro caso de tudo pegar fogo e você precisar fugir.
Mas você não fugiu.
Joguei por baixo da tua porta todos os meus planos traçados
e quando você der seu último salto mortal,
tudo queimará na mesma temperatura.
***
Um dia me disseram que eu tinha um potencial desperdiçado. Em silêncio, concluí que não era só um. Passei vinte e quatro anos admirando a beleza da estrela cadente e esquecendo de fazer o pedido.
Sou uma constelação inteira de sonhos deixados de lado.
