quando a vi atravessando o campus, com o seu cabelo cor de fogo e aquela saia curta que deixava à amostra a brancura de suas coxas, soube naquele instante que ela haveria de morrer nos meus braços. não porque eu a quisesse matar, mas porque a levaria comigo até o resto da vida. atravessava o campus e atravessava também todos os músculos do meu corpo, de modo que figurava para mim como a última mulher do mundo. ao leitor apressado deixo aqui o registro do nosso último dia.
eu apertava as suas costas e sentia os peitos de elie de encontro aos meus. ela descia e subia numa suavidade agressiva, deixando-me a ponto de explodir. sabe pouco sobre esse instante o amigo que jamais teve uma criatura tão docilmente agressiva nas mãos. ela abraçava o meu sexo com a breve cadência do seu. envolvia-me, eu rígido dentro dela, e subia e descia numa lentidão maravilhosa, raspando de leve os pelos avermelhados do seu púbis. a gringa sorria aquele sorriso maldoso, safado, sorriso de quem pouco vale. ergueu-se num instante breve e puxando a mão para trás em um movimento brusco desceu com toda força sobre a minha face, desferindo um tapa e gritando, ao seu modo, "é meu! você é meu!", com aquele sotaque desajeitado americantupinquim, ao que respondi um tanto aturdido pela força empenhada que sim, que era só dela. erguida como estava, passou a cavalgar com força, pondo as mãos sobre o meu peitoral. unhas cravadas e um rebolado desonesto. e mais uma vez a mão veloz sobre a minha bochecha. dessa vez foi tão forte que julguei ter sentido raiva. é isso. ela atingiu o que queria. percebendo minha ira, sorriu mais uma vez o seu sorriso de safada. uma provocadora destemida me possuindo. ergui as minhas mãos para segurar-lhe a garganta e ela respondeu agarrando-me os punhos e, jogando a cabeça para trás, deixou sair uma gargalhada profunda, como se algum pássaro finalmente se libertasse de uma gaiola. jogou minhas mãos para trás, de forma que agora eu era o seu cárcere. aproximou a sua boca da minha. quis beijá-la, e ela brincava, afastava os lábios finos. mordeu-me a boca inteira de leve. travou rapidamente os quadris, de forma que enterrou completamente a minha intimidade na sua. pude senti-la pulsar, enquanto apertava-me. dali a segundo aproximou-se de mim, ainda me amarrando as mãos com as suas, olhou-me nos olhos, sem me beijar, e era como se estivesse dentro de mim, e não o contrário. disse "goza", e eu gozei enorme dentro dela. enchi-a de mim e senti por dentro algo tão límpido e verdadeiro que me parecia a carícia de todos os meus ancestrais. elie repousou sobre o meu corpo, beijando-me o pescoço de leve, mordiscando e lambendo os meus músculos, até chegar onde tu imaginas e sugar todo e qualquer vestígio de mim. levantou-se e foi ao banheiro. fique um tempo mirando o teto, absorto.
da caixinha de som pirata que comprei de um camelô saía a voz de Belchior, entoado o "coração selvagem". eu pensava em elie como uma bomba-relógio. ela agora abrindo a porta do banheiro, de costas para mim, mostrando-se branca em todo seu esplendor, pequena e frágil, me fazia desistir do mundo. amei-a naquele momento como se fosse a última imagem que teria dela. gravei suas costas, as omoplatas saltadas que desenhavam asas; a cintura fina desenhava um caminho de neve até chegar na bunda pequena e tímida de moça. a graciosidade das pernas, gravei-a. eram perninhas delicadas, carinhosas, que surgiam para mim como o lugar que eu deveria encher de beijos. trancou a porta.
"precisa trabalhar mais tarde?", gritou lá de dentro. a voz abafada. eu preferi ficar em silêncio. ela sabia das minhas escalas. trabalhava sempre à noite, a partir das 18h. os dias que ficávamos juntos eram raros, porque eu precisava despistar a minha esposa. além disso, precisava ainda dar atenção às outras moças que me encantavam, as quais ainda se figuravam para elie como o mais terrível mistério. aquela pergunta era um hábito. assim funcionava a gringa: perguntava tudo aquilo que já sabia. analisava sempre minhas reações. seria uma grande mulher. "você sabe que sim. por que pergunta?", respondi ainda olhando o teto do quarto. "por que não tira essa noite de folga?", ainda de dentro do banheiro. ela sabia que eu não podia fazer isso. silêncio. destrancou a porta e caminhou de volta para a cama. ela tinha cheiro de malícia. seus olhos eram infantis e por certo o sabia. olhava nos meus olhos e eu sentia arder em mim qualquer coisa de astúcia, de cilada. uma armadilha ambulante. "estou cansada", disse por fim. "cansei de ser só mais uma. quero você inteiro", "você sabe que não pode", "não sou suficiente?", "nunca foi isso", "só quer me comer", "pare", "o que ela tem que eu não tenho?", "firmeza". eu não percebi, mas ela estava brincando. a palavra firmeza a acertou como uma bala. olhos nos olhos. há um diálogo que mora no silêncio, um acordo tácito, um contrato. ouvimos e falamos apenas piscando os olhos. voltou a repousar a cabeça no meu peito. eu acariciava suas costas e fazia morrer seus cabelos vermelhos entre os meus dedos. "você não me acha firme", "foi isso que eu disse", "por que eu deveria ser firme?", pensei um pouco. "você não precisa. não está tudo bem pra você?", acertei em cheio.
aproximamo-nos porque os corpos se chamavam. éramos sexo um para o outro. não haveria do que reclamar. não está tudo bem pra você, perguntei-lhe de súbito, e ela não teria como responder de forma negativa. apesar dessa cena toda, tinha seus próprios parceiros, saía e transava a seu próprio gosto. eu fingia não saber de nada, porque amava a sua liberdade, que era também a minha liberdade. o porteiro do prédio disse-me uma vez "bonita essa sua sobrinha. tem namorado?", com os olhos fixos no meu. ele sabia que não era minha sobrinha, ele sabia que eu a comia naquelas manhãs em que minha mulher estava trabalhando no maior shopping da cidade. "aposto que tem! uma delicinha daquela não fica assim sozinha por aí!". era um filho da puta mesmo. uma semana depois ele me disse que a menina era uma loucura na cama. quis me atingir, de certo, mas fingi plenitude e continuei caminhando para o apartamento. subi os sete andares de sempre, para fortalecer os músculos das pernas. abri a porta e ouvi o barulho do chuveiro. a gringa estava se limpando, dando adeus aos últimos vestígios do porteiro. abri a porta. ela me olhou com os seus olhos de criança. um sorriso pequeno. maldita, pensei. nesse dia transamos com tanta força que foi necessário um remédio para dor de cabeça.
ela não me respondeu. nos dias em que ela me visitava, falávamos sobre os seus planos para o futuro. filha de brasileiros, morou por anos nos estados unidos. tinha, portanto, a mentalidade vencedora dos empresários. enxergava dinheiro em tudo. eu, um simples zelador que ganha seu salário mínimo, achava muita graça em seus planejamentos. perdia-se por horas contando a mim como ficaria rica. eu amava a sua infantilidade, sua falta de apego à realidade, aquela ideia de que tudo era possível e fácil. eu precisava mijar. levantei e fui ao banheiro.
almoçaríamos em poucos instantes. imaginei, enquanto fazia desenhos na porcelana do vaso sanitário, como seria a vida com a gringa. eu, no alto dos meus quarenta anos, com uma moça de dezenove, lindíssima, com um futuro brilhante. sentaríamos à mesa em um domingo, falaríamos de filhos, de projetos, de casas. depois, faríamos o sexo animalesco que nos juntou. ela viria com alguma das suas perguntas loucas, como "você pularia de um trem?" e eu responderia que não, só para vê-la irritada. à tarde sairíamos para passear e todos nos olhariam. estava concentrado nessas projeções quando a urina acabou. destranquei a porta e vi que elie não estava mais na cama. foi embora, pensei. catei um dos cigarros espalhados na mesa, fui à varanda, olhei para o céu e soltei um bolo de fumaça que de repente se confundiu com as nuvens. elie, a louca. quando olhei para baixo, o corpo da gringa fazia um "s" e sua cabeça, tão linda, estava aberta como uma goiaba que caíra do pé.
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A véspera da suicida
Mystery / ThrillerElie Fischer experimenta os extremos da vida. Aos dezenove anos, no Brasil para um intercâmbio, a moça de personalidade instável é atraída pelo zelador de sua universidade. Morre no primeiro capítulo deste livro, após pular do sétimo andar de um pré...